Há pouco mais de dois anos os preços mundiais dos alimentos tocaram um nível recorde, impulsionados por um descompasso entre oferta e demanda e por um maior fluxo de investimentos direcionado ao mercado de commodities. A explosão da crise financeira alterou esse cenário, esfriando o consumo e deixando a comida mais barata. Em 2010, no entanto, o custo dos alimentos voltou a crescer, atingindo níveis preocupantes.
O índice de preços de alimentos da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), que monitora cereais, carnes, laticínios e outros produtos, subiu ininterruptamente desde julho de 2010 e em novembro tocou 205,4 pontos. Em junho de 2008, quando atingiu patamar recorde, esse mesmo índice estava em 213,5 pontos.
Naquela época, várias manifestações algumas delas violentas ocorreram em diversos países, especialmente nos mais pobres e em regiões que precisavam importar comida, refletindo a indignação da população com o aumento no custo de vida. O encarecimento dos alimentos também provocou situações peculiares. No Camboja, por exemplo, os mercados locais tiveram de responder à repentina demanda pela carne de rato.
O produto era tradicionalmente consumido no país, mas se tornou mais popular em meados de 2008 porque a carne de porco, preferida dos cambojanos, chegou a custar quatro vezes mais do que a de rato, obrigando muita gente a buscar a alternativa mais barata.
Em 2010, voltamos a viver um período de preços elevados e voláteis, opina Ekaterina Krivonos, representante de comércio e mercados do escritório regional da FAO para América Latina e Caribe. "As principais causas da última alta são o déficit inesperado na oferta de algumas safras chave em razão de condições meteorológicas desfavoráveis, as decisões políticas de alguns países exportadores e as flutuações nos mercados de câmbio", acrescentou.
Causas
O aumento no custo dos alimentos neste ano foi provocado inicialmente por problemas com a produção de trigo, particularmente nos países da antiga União Soviética, com Rússia e Casaquistão sendo atingidos por secas rigorosas que tornaram as estimativas para a colheita menos promissoras do que se esperava. Diante do prognóstico pouco favorável, o governo russo anunciou em agosto restrições às exportações do cereal, gerando mais preocupações com a oferta e ajudando a elevar os preços.
Em novembro, esse movimento de alta foi acentuado pela desvalorização do dólar. Nos mercados internacionais, os produtos geralmente são negociados com a moeda norte-americana. Como ela perdeu força durante o período, esses produtos ficaram mais baratos para alguns compradores que detinham, por exemplo, reais ou euros, já que passaram a ser necessárias menos unidades dessas moedas para comprar alimentos negociados em dólares. Isso aumenta a demanda por essas commodities e, por sua vez, contribui para impulsionar os preços.
Especialistas acreditam que o momento atual talvez não seja tão crítico quanto o observado há dois anos. Para o coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fipe, Antonio Evaldo Comune, a alta recente nos preços é resultado de fatores de conjuntura, não estruturais. "Tivemos um estouro nos preços das commodities no segundo trimestre e problemas climáticos na sequência, com o açúcar na Índia e o trigo na Rússia. Parte dessas questões foi resolvida.
No caso do açúcar indiano, a situação foi se regularizando e, quando a safra brasileira entrou, os preços caíram." A economista Ignez Vidigal Lopes, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas, também acredita que os motivos para a atual inflação dos alimentos são pontuais e que não houve uma repetição do que ocorreu em 2008, "quando tivemos um grande aumento de demanda no mundo inteiro. Ela vinha crescendo mais do que a oferta conseguia acompanhar" e isso provocou uma redução nos estoques, acrescentou.
Estoques
De acordo com dados da FAO, os estoques globais de cereais em 2006 estavam em 471,4 milhões de toneladas, sendo capazes de suprir 22,9% do consumo daquele período. Dois anos depois, essa taxa caiu para 19,5%. Em 2010, a estimativa é de que ela suba para 24,5%. "Em 2007 e 2008, todos os países estavam crescendo num ritmo muito elevado, provocando um aumento na demanda", explicou Lopes. O mercado respondeu ampliando a produção, mas a crise financeira diminuiu os níveis de consumo e uma parcela maior dos cereais foi para os estoques.
Diante disso, é menos provável que problemas com as safras de trigo, por exemplo, afetem os preços, mas eles ainda podem permanecer altos mesmo que não haja escassez de comida. "De uns anos pra cá, os grandes fundos estão operando no mercado de commodities, fugindo dos mercados de ativos financeiros. Como o volume de investimentos é grande, muitas vezes os preços sobem por causa desse movimento, sem que tenha havido mudanças na estrutura da oferta e demanda", afirmou Lopes.
Em 2010, a FAO estima que os países tenham gastado mais de US$ 1 trilhão apenas com a importação de alimentos. No caso de nações pobres, isso representa um crescimento de 11% com esse tipo de despesa em comparação a 2009. "É provável que, em 2011, os consumidores tenham de pagar preços maiores pela comida. Nos setores mais pobres, isso representaria uma proporção maior da renda dedicada à alimentação", afirmou Krivonos.