A apenas seis dias de completar um ano, a atual guerra no Oriente Médio teve nas últimas 24 horas talvez o dia mais tenso desde os ataques do grupo terrorista Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023 que deflagraram o conflito, a princípio na Faixa de Gaza.
Outro grupo terrorista, o xiita Hezbollah, também apoiado pelo Irã, vem trocando bombardeios com Israel na região de fronteira com o Líbano desde o início da guerra em Gaza, mas a tensão aumentou depois da morte do líder do grupo, Hassan Nasrallah, num ataque israelense em Beirute na sexta-feira (27).
Com o objetivo de permitir a volta de cidadãos ao norte do país, deslocados pelos ataques do Hezbollah, Israel anunciou na madrugada desta terça-feira (1º, horário local) “incursões limitadas” (terrestres) no sul do Líbano.
Mais tarde, em resposta à morte de Nasrallah, o Irã realizou um ataque com mísseis a várias regiões israelenses, o que obrigou milhões de pessoas a buscar abrigos antiaéreos.
A grande maioria dos projéteis foi interceptada, mas as forças israelenses disseram que um palestino em Jericó, na Cisjordânia, foi morto e duas pessoas ficaram feridas em Tel Aviv em decorrência da ofensiva.
O Pentágono, que ajudou na interceptação dos projéteis, disse que a ofensiva de hoje foi “cerca de duas vezes maior em termos do número de mísseis balísticos lançados” na comparação com um ataque do Irã em abril.
Naquele mês, Teerã realizou um ataque em resposta a um bombardeio (atribuído a Israel) ao consulado iraniano na Síria que matou um importante líder militar do regime dos aiatolás no início de abril, o brigadeiro-general da Guarda Revolucionária Mohamed Reza al Zahedi.
Foram mais de 300 drones e mísseis iranianos, dos quais 99% teriam sido interceptados por Israel e forças aliadas, de países como Estados Unidos, Reino Unido e França. Ninguém foi morto e não houve feridos graves. Israel deu a tréplica dias depois, com um ataque à região de uma base militar na província iraniana de Isfahan.
Essa troca direta de ataques entre os dois países, inimigos desde a Revolução Islâmica de 1979, é sem precedentes e faz crescer os temores de uma quarta frente (Israel também está realizando uma operação na Cisjordânia) na atual guerra no Oriente Médio, com a participação de mais atores.
Se após os ataques de abril a situação voltou rapidamente para o cenário das últimas décadas, com o Irã sempre preferindo agredir Israel por meio dos grupos terroristas que apoia e não diretamente, analistas consideram que o mesmo pode não acontecer depois da ofensiva iraniana desta terça-feira – à qual as forças israelenses já prometeram resposta.
“É um momento diferente, porque o ataque do Irã em abril foi em resposta à morte de um líder militar iraniano, havia um certo sentido em revidar. Agora, o Irã está atacando sem ter sido provocado. O Irã está reagindo a uma incursão militar no Líbano e está respondendo à necessidade de apoio do Hezbollah”, disse Igor Macedo de Lucena, economista, doutor em relações internacionais e membro do think tank britânico Chatham House, em entrevista à Gazeta do Povo.
“Se Israel revidar, o Irã responder e houver uma guerra aberta, isso traz os Estados Unidos para o conflito e teremos uma guerra totalmente aberta, com todos os players e um grande conflito armado no Oriente Médio”, projetou.
Lucena apontou que, às vésperas da eleição americana, o grau da resposta do presidente Joe Biden e da sua candidata à Casa Branca, Kamala Harris, pode ser decisivo tanto para o pleito quanto para a guerra no Oriente Médio.
“Se Israel precisar se defender e atacar diretamente o Irã, o que acho muito provável, vai trazer junto os americanos ou não?”, questionou Lucena.
“Se os EUA não entrarem de forma incisiva na defesa de Israel, isso vai ser muito prejudicial para a atual gestão. E se entrarem, vai ser um conflito que eles não conseguiram evitar, mostrando uma fragilidade da política externa de Biden e Harris. Essa incursão militar no Líbano e o ataque iraniano dão vantagem política ao [candidato republicano, Donald] Trump, como um nome que poderia ter evitado isso”, disse o analista.
Analista não acredita em participação dos EUA em operações ofensivas
O coronel da reserva e analista militar Paulo Roberto da Silva Gomes Filho, colunista da Gazeta do Povo, não acredita num envolvimento mais incisivo dos americanos a princípio.
“Os Estados Unidos já atuaram na interceptação dos mísseis iranianos. Em um primeiro momento, não acredito que os EUA participem de operações ofensivas. Apenas ajudarão Israel na defesa antiaérea”, disse.
Porém, Gomes Filho disse não ter dúvidas de que o ataque iraniano causará uma escalada no conflito, num momento em que o mundo se pergunta quando e de que forma Israel responderá.
“As informações sobre a efetividade do ataque iraniano estão desencontradas. Mas parece que vários mísseis iranianos conseguiram atingir o território israelense, uma situação bem diferente do que aconteceu em abril, quando praticamente 100% dos mísseis e drones iranianos foram interceptados sem causar nenhum estrago. Isso aumenta a pressão sobre o governo de Israel para responder com uma intensidade, no mínimo, equivalente à iraniana”, pontuou o analista.
“E, uma vez que o Irã já ameaçou retaliar com ainda maior intensidade caso Israel responda, é real a chance de a região cair em uma espiral de violência com consequências graves”, acrescentou Gomes Filho.
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