Na Austrália, o país habitado mais seco do mundo, antigos exploradores britânicos buscando uma fonte de água potável examinaram seu árido interior atrás de um mar que existia só em fábulas. Um dos entusiastas da ideia carregou uma baleeira centenas de milhas para dentro do país, mas não encontrou nada além de deserto. Hoje, os australianos se voltam na direção oposta: a do mar.
Em um dos maiores projetos de infraestrutura na história do país, as cinco maiores cidades da Austrália estão investindo US$ 13,2 bilhões (R$ 22,7 bilhões) em plantas de dessalinização, capazes de sugar milhões de litros de água dos oceanos por dia, remover o sal e obter água potável. Em dois anos, quando a última planta deverá estar funcionando, as maiores cidades da Austrália obterão até 30% de sua água do mar.
O país ainda se recupera de sua pior seca, que durou uma década e, segundo o governo, foi aprofundada pela mudança climática. Com a escassez de água aparecendo em todo o mundo, outros países, incluindo EUA e China, também começam a olhar para o mar.
Mas a dessalinização também vem gerando fortes críticas e protestos. Muitos proprietários de casas, nervosos com o aumento em suas contas de água, e ambientalistas, preocupados com o efeito das plantas sobre o clima, chamam os projetos de elefantes brancos devoradores de energia. Medidas mais severas de conservação, como forçar o uso de máquinas de lavar mais eficientes, "espremeriam" facilmente mais água das reservas existentes, dizem os críticos.
A dessalinização também ajudou a desacelerar o entusiasmo por uma "Austrália grande" a projeção governamental anterior, favorável à imigração, de que a população do país aumentaria de 22 milhões, hoje, para 36 milhões em 2050.
A planta, estendendo-se por 15 acres entre um aeroporto e bairros residenciais, fornece água a Brisbane, a capital de Queensland, e outras partes do sudeste, a região de maior crescimento do país. Apesar de problemas técnicos que fecharam temporariamente a planta há pouco tempo, ela tem suprido 6% das necessidades de água da região e tem capacidade para entregar 20%, segundo Barry Dennien, chefe executivo da SEQ Water Grid Manager, a autoridade que supervisiona o suprimento de água desta região.
A seca nesta área durou de 2000 a 2009, enquanto o reservatório atrás da maior represa, Wivenhoe, chegou a ficar com apenas 16% de sua capacidade (em uma visita recente, ele estava em 98%). Embora tenha demorado até 2005 para que as autoridades estaduais compreendessem a magnitude da crise, segundo Dennien, a ação foi rápida depois disso.
Além de restringir o uso de água e subsidiar a compra de tanques caseiros para armazenar água de chuva, o estado gastou quase US$ 8 bilhões (R$ 13,6) para criar a rede de abastecimento de água mais sofisticada do país. Foram construídas represas e uma teia de encanamentos para conectar 18 instalações independentes de água em uma rede. Para "blindar" a região contra a seca, o governo construiu instalações para fabricar água, com a reciclagem da água dispensada para uso industrial e a dessalinização da água do mar. A produção de água dessalinizada pode ser adaptada de acordo com os níveis de chuva.
Efeito dominó
Agora, outras cidades estão fazendo a mesma aposta. Perth, que inaugurou a primeira planta de dessalinização do país, em 2006, está construindo a segunda. A planta de Sydney começou a operar no início deste ano, e as plantas próximas de Melbourne e Adelaide já estão sendo construídas.
Até recentemente, a maioria das plantas de dessalinização em grande escala do mundo estava no Oriente Médio, especialmente na Arábia Saudita embora a escassez de água esteja mudando isso. Nos Estados Unidos, onde apenas uma planta grande está funcionando, em Tampa Bay, as autoridades estão caminhando com propostas de instalações na Califórnia e no Texas, segundo Tom Pankratz, diretor da Associação Internacional de Dessalinização, localizada em Topsfield, Massachusetts.
A China, que recentemente inaugurou sua maior planta de dessalinização, em Tianjin, pode eventualmente ultrapassar a Arábia Saudita como líder mundial, declarou Pankratz.
Críticas
Muitos ambientalistas e economistas se opõem a maiores expansões da dessalinização, devido a seu preço e contribuição para o aquecimento global. A energia necessária para remover o sal da água do mar corresponde a até 50% do custo do processo, e a Austrália depende do carvão, um grande emissor de gases estufa, para gerar a maior parte de sua eletricidade.
Críticos dizem que a dessalinização contribuirá com a própria mudança climática que vem agravando a escassez de água no país. Para tornar a dessalinização politicamente palatável, as plantas australianas estão usando campos recém-construídos de energia eólica ou energias de alto preço consideradas limpas. Para as residências em cidades com as novas plantas, as contas de água devem dobrar nos próximos quatro anos, segundo a Water Services Association.
Porém os críticos dizem que há alternativas mais baratas. Eles defendem medidas de conservação, incluindo a obrigatoriedade de máquinas de lavar, banheiros e chuveiros altamente eficientes, além de um melhor gerenciamento das reservas de águas subterrâneas e represas.