Quinze meses depois de uma demonstração raivosa de supremacistas brancos ter se transformado em um caos mortal, em Charlottesville, no estado americano da Virgínia, um autodeclarado neonazista deve ir a julgamento na segunda-feira (26), acusado de matar uma manifestante contrária e ferir 35 outras pessoas ao bater seu carro intencionalmente em outro veículo em uma rua cheia de pessoas.
O suposto ato de fúria automotiva de James Alex Fields Jr. em 12 de agosto de 2017 – que foi o ápice de um dia de confrontos violentos envolvendo centenas de supremacistas brancos e seus oponentes – ajudou a tornar o nome “Charlottesville” um sinônimo para o surgimento de etnofascistas entusiasmados na era do presidente Trump.
Fields, 21 anos, acusado de assassinato em primeiro grau e outros crimes, deve enfrentar um júri no Tribunal de Charlottesville enquanto promotores, usando evidências em vídeo da manifestação “Unite the Right”, de 2017, revivem memórias de ódio racista e antissemita lançado nas ruas da pequena cidade que abriga a Universidade da Virgínia, de Thomas Jefferson.
A manifestante opositora que foi morta, Heather Heyer, 32, trabalhava para um escritório de advocacia local e foi lembrada por amigos como uma defensora comprometida da justiça social. Fields, que saiu de Maumee, Ohio, para a manifestação, foi descrito por conhecidos como profundamente fascinado pela Alemanha nazista, muitas vezes demonstrando admiração pelo militarismo e pelo dogma da pureza racial do Terceiro Reich.
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A seleção do júri está programada para começar na manhã de segunda-feira e pode durar até o meio da semana, seguida de declarações de abertura e do início dos depoimentos na quarta ou quinta-feira. A segurança será rígida e espera-se grande presença policial do lado de fora do tribunal. O juiz Richard Moore reservou 14 dias úteis, até 13 de dezembro, para todo o processo.
Três meses atrás, Moore se recusou a conceder uma mudança de local de julgamento para Fields, apesar do argumento de um advogado de defesa de que a formação de um júri imparcial de moradores de Charlottesville seria virtualmente impossível. Os eventos de 12 de agosto de 2017 forjaram uma marca duradoura na psique da comunidade, disse a advogada Denise Lunsford. Ela mostrou ao juiz pilhas de notícias sobre seu cliente, que se declarou inocente.
Em uma audiência preliminar de Fields no final do ano passado, os promotores Joe Platania e Nina-Alice Antony ofereceram uma prévia dos vídeos do acidente mortal, chocando amigos e apoiadores de Heyer e sua família que estavam no tribunal.
Em meio ao tumulto daquele sábado de agosto, uma multidão de manifestantes contrários estava no centro da cidade no início da tarde. Uma caminhonete se aproximou da reunião e foi para um lado da rua. Uma van parou na rua em frente à multidão e um Toyota Camry parou atrás da van.
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Um Dodge Challenger, supostamente dirigido por Fields, aproximou-se a uma velocidade moderada por trás do Camry. Em seguida, deu a ré, rodando mais de uma quadra, e de repente avançou rapidamente, batendo na traseira do Camry. Heyer e várias outras pessoas estavam perto dos veículos quando o impacto ocorreu.
Para piorar a tragédia, os tripulantes de um helicóptero da Polícia do Estado da Virgínia que gravaram vídeos do tumulto morreram em um acidente no final do dia. Depois de monitorar a manifestação, o piloto Berke M.M. Bates e o tenente H. Jay Cullen estavam voando para outra missão quando seu helicóptero caiu a quilômetros de Charlottesville.
Acusações
Além de homicídio em primeiro grau, que tem penas de 20 anos até prisão perpétua, Fields tem oito acusações de lesão corporal agravada, o que significa que pelo menos oito das 35 vítimas foram gravemente feridas.
Separadamente, Fields foi acusado pelo Departamento de Justiça de uma série de crimes de ódio federais relacionados ao incidente, incluindo um delito que traz uma possível sentença de morte. A data do julgamento não foi definida para esse caso, e o Departamento de Justiça ainda não anunciou se buscará a pena capital para Fields se ele for condenado.
Os líderes nacionalistas brancos Jason Kessler e Richard Spencer, ambos graduados na Universidade da Virgínia, organizaram a manifestação, pretensamente para protestar contra a decisão da Câmara de Charlottesville, por uma votação de 3 a 2, de derrubar uma estátua do general confederado Robert E. Lee.
Meses antes da manifestação, o conselho também havia votado a favor de acrescentar novas informações a uma estátua do rebelde Gen. Thomas J. “Stonewall” Jackson. As esculturas de Lee e Jackson foram erguidas em Charlottesville na década de 1920, homenageando a antiga Confederação, quando a segregação racial prevalecia na cidade.
Atordoados pela onda de ódio em suas ruas, os membros do conselho fizeram uma nova votação sobre os monumentos de Lee e Jackson após a manifestação, decidindo unanimemente vender as duas esculturas ao maior lance, para quem estivesse disposto a levá-las embora.
As estátuas permanecem no lugar, por uma ordem do tribunal, depois que defensores da memória Confederados processaram a cidade, argumentando que uma lei da Virgínia proíbe a remoção das estátuas. O processo, também sob responsabilidade do juiz Moore, está agendado para ser julgado em janeiro.
Na sequência do caos da Unite the Right, a resposta de Trump à violência amplificou a indignação pública.
Dezenas de manifestantes que entoavam frases racistas e antissemitas estavam usando bonés “Make America Great Again” e eram defensores de Trump. Em uma coletiva de imprensa, o presidente afirmou que os supremacistas brancos e seus oponentes eram igualmente culpados pela turbulência. Ele condenou “essa flagrante exibição de ódio, fanatismo e violência de muitos lados”, e mais tarde disse que havia “algumas pessoas muito boas” entre os manifestantes de extrema-direita.
O ex-líder da Ku Klux Klan David Duke, que participou da manifestação, respondeu a Trump no Twitter, escrevendo: “Eu recomendo que você dê uma boa olhada no espelho e lembre-se que foram os americanos brancos que o colocaram na presidência, não os esquerdistas radicais”.
Fields está preso na Cadeia Regional Albemarle-Charlottesville, aguardando julgamento.