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Entrevista

“Autoridades são brandas com os neonazistas”

São Paulo – O historiador alemão Christian Gerlach, de 43 anos, festejado entre seus pares como um dos principais estudiosos do nazismo, é jovem o bastante para não estar contaminado pelo sentimento de culpa que motivou o constante processo de "desnazificação" de seu país. No entanto, para ele, os neonazistas ainda têm liberdade demais na Alemanha, e a responsabilidade não é apenas das autoridades. "Lutar contra o perigo neonazista é uma responsabilidade social", disse Gerlach em entrevista à Agência Estado. Para o historiador, que leciona na Universidade de Pittsburgh, nos EUA, os neonazistas encontram força também na desmoralização dos partidos tradicionais e em táticas terroristas, assim como ocorreu nos anos 20, quando o Partido Nazista se consolidou. Leia a seguir sua entrevista.Agência Estado – Há similaridades entre os métodos neonazistas e aqueles do Partido Nazista de Hitler? O senhor vê algum traço revolucionário nos neonazistas, assim como a filósofa alemã Hannah Arendt viu nos nazistas?Gerlach – Como na primeira República Alemã, nos anos 20, há vários partidos políticos na Alemanha que são de extrema direita. Em outras palavras, a direita radical é fragmentada, e o sucesso de cada partido tem sido limitado. O mais radical deles é agora o Partido Nacional Democrático da Alemanha, que recentemente conseguiu cadeiras no Parlamento da Saxônia e de Mecklenburgo-Pomerânia Ocidental. Não vejo o Partido Nazista como revolucionário, porque eles não queriam fazer uma revolução social. Nem o NPD é, embora certamente eles lutem por uma alteração no sistema político alemão e por mudanças substanciais como a expulsão dos "estrangeiros", incluindo pessoas de culturas diferentes que nasceram e cresceram na Alemanha. Ambos os partidos têm a classe média baixa como eixo. Os objetivos políticos do NPD e do antigo Partido Nazista variam em alguns pontos: o NPD acentua mais a xenofobia, enquanto o Partido Nazista pôs mais ênfase no anticomunismo, no anti-semitismo e na expansão territorial. É claro que, em muitos aspectos, os neonazistas compartilham do nacionalismo e dos valores racistas dos velhos nazistas, apesar de isso ser manifestado em menor grau.O senhor acha que os neonazistas aprenderam a lição e adotaram uma abordagem menos violenta, com o objetivo de ampliar sua influência?Na verdade, as táticas dos neonazistas não são muito diferentes daquelas do Partido Nazista depois de 1923, quando Hitler tentou, sem sucesso, derrubar o governo da Baviera. Entre 1923 e 1933, o Partido Nazista adotou uma estratégia de tomar o poder por meios mais ou menos legais, combinado com terrorismo e intimidação nas ruas contra seus oponentes, sobretudo os esquerdistas. Eis o que os neonazistas têm feito de novo nos últimos anos. Há uma limitada violência neonazista em todo o país, mas ela é especialmente importante em partes da Alemanha do leste. Estamos falando de ataques contra pessoas de raças diferentes, esquerdistas, punks e deficientes físicos, ou contra cemitérios judaicos. Algumas áreas do leste da Alemanha foram declaradas pelos neonazistas como "zonas livres de estrangeiros". Quando os partidos da direita radical conseguiram vagas em Parlamentos alemães regionais, nos anos 60, nos 80 e agora, seus representantes eram bastante confusos e tiveram performances pífias. A maioria desses partidos saiu rapidamente da vida parlamentar. O fato de a extrema direita ter representação parlamentar é embaraçoso o suficiente, mas mais preocupante é a quantidade de apoio popular simbolizado pelos votos que eles obtiveram.Como a Alemanha deveria lidar com os neonazistas? O senhor acredita que a democracia deva ter limites na Alemanha?Lutar contra o perigo neonazista é uma responsabilidade social, e não apenas uma tarefa das autoridades. Em relação ao Estado, muito mais poderia ser feito sem que isso limitasse a democracia. Isso diz respeito, acima de tudo, ao perturbador e leniente modo pelo qual muitas autoridades policiais e tribunais de Justiça tem lidado com os neonazistas. Além disso, a extrema direita política se beneficia da perda de apelo dos partidos políticos tradicionais. Se esses partidos fossem mais bem-sucedidos em atender às demandas de seus eleitores, os neonazistas perderiam apoio.Quão longe podem ir os neonazistas na Europa? O sr. acha que a imigração de áreas pobres da Europa, em razão da ampliação da União Européia, pode aumentar o poder do discurso neonazista?Os neonazistas não crescem em qualquer lugar da Europa, mesmo em países com muita imigração, como Reino Unido e Espanha. A extrema direita lucra com o ressentimento em relação à imigração em regiões e países que têm problemas econômicos, de modo que parte da população se sente vulnerável, como acontece na Alemanha e, em um grau diferente, na Rússia. A xenofobia tem sido também a força propulsora da violência de direita na Suécia e na Dinamarca, que estão, comparativamente, numa posição econômica confortável. E os neonazistas não necessariamente se insurgem contra a imigração do Leste Europeu tanto quanto contra os imigrantes de outros continentes. Mas vou parar por aqui. Os historiadores costumam dar péssimos profetas.

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