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A paisagem de Prora, o balnenário nazista que caiu no gosto de investidores e veranistas. | Stefan Sauer/AFP
A paisagem de Prora, o balnenário nazista que caiu no gosto de investidores e veranistas.| Foto: Stefan Sauer/AFP

O paraíso de Adolf Hitler, o balneário de Prora, na ilha de Rügen, cerca de 300 quilômetros ao norte de Berlim, foi posto à venda, causando uma verdadeira corrida aos imóveis que foram construídos nos anos 1930 para o lazer de nazistas. Com arquitetura imponente e cinco blocos, cada um com 500 metros de largura, o projeto era parte do programa KdF (”Kraft durch Freude”; em português, Força pela Alegria), para o qual foi concebido também o primeiro automóvel de massa, o “carro KdF”, mais tarde batizado de Fusca, da Volkswagen. A polêmica iniciativa despertou na Alemanha a discussão sobre até que ponto pode ser aceito o veraneio em um local com passado tão controverso.

Para o historiador Götz Aly, autor de mais de dez obras sobre o regime nazista, Prora é um dos mais controversos imóveis herdados dessa era. Segundo ele, não deveria ter um futuro que leva em conta apenas o aspecto econômico. “O colosso de Rügen não precisava ser demolido. Mas sua transformação em complexo de apartamentos de férias de luxo é uma ofensa às vítimas do nazismo “, defende o historiador.

O fato é que a iniciativa já é considerada um sucesso e surge como o maior investimento de turismo no Leste alemão. Oitenta e cinco por cento dos apartamentos, todos com vista para o mar, foram vendidos, apesar do preço (cerca de EUR 6 mil, ou R$ 24.300, por metro quadrado).

Daphne Sobek, da corretora Myhome, que comercializa os apartamentos com exclusividade, admite que o lugar, um enorme terreno à beira da praia da maior ilha da Alemanha, é “carregado de História”, mas defende o empreendimento. “É melhor o uso do que o abandono. Além disso, os visitantes podem se informar sobre o passado do imóvel num centro de documentação “, diz ela.

Segundo a corretora, há duas modalidades de compra. A primeira é para quem quer investir: o comprador da unidade, que tem o tratamento de apart hotel, tem direito a usá-la apenas durante quatro semanas no ano, mas recebe aluguel no restante do tempo. A segunda é a venda convencional, para quem deseja se instalar no imóvel. “Como Rügen fica a só três horas de Berlim, muitos interessados compraram o apartamento tendo em vista se mudar definitivamente para lá”, diz.

Na versão original da era nazista, os apartamentos eram minúsculos, e o propósito era oferecer hospedagem de férias, paga pelo Estado nazista, para o maior número possível de pessoas. Com planos de guerra contra quase toda a Europa na cabeça, Hitler encarregou Robert Ley do projeto, que previa o direito a duas semanas de férias por ano com hospedagem de graça para pessoas que antes nem sabiam o significado da palavra veraneio.

Documentos preservados no tal centro de documentação, que fica em Prora e é aberto diariamente, atestam a intenção da cúpula nazista. Enquanto o povo julgava que o país estava se transformando em berço de prosperidade, em comparação com os anos de depressão da República de Weimar, a estratégia real do regime ficou clara no acordo firmado entre as Forças Armadas e Robert Ley, o encarregado do “Força pela Alegria”.

Enquanto o famoso Albert Speer, arquiteto de Hitler, cuidava em Berlim do planejamento da futura “capital do mundo”, a Germânia, como eles queriam chamar a cidade depois da vitória final do regime, Clemens Klotz, menos conhecido, assinou o projeto de Prora, com arquitetura mais contemporânea e influência de Le Corbusier.

Em 1937, o projeto de Klotz foi premiado na exposição mundial de Paris. Mas a ideia de mandar alemães para aproveitar o sol no Mar Báltico foi aos poucos sendo abandonada por Hitler. Impaciente em realizar seu sonho de transformar a Alemanha, da qual desde 1938 já fazia parte a sua pátria, a Áustria, em um gigantesco império, ele deu a ordem de começar a guerra de invasão do Leste já em 1939. Dois anos depois, a Wehrmacht chegava a União Soviética, deixando atrás de si, por onde passava, cidades destruídas e centenas de milhares de vítimas civis.

A ilha de Rügen, com 926 quilômetros quadrados e a maior do país, viveu seu ocaso apesar da bela paisagem. Ela pertencia à Alemanha Oriental, de influência soviética. Mesmo hoje, é considerada uma região pobre em comparação com a partes mais ricas do país, na Baviera ou em Baden Württemberg, no Sul.

Segundo Katja Lucke, diretora do centro de documentação local, o governo alemão resolveu vender o terreno e o imóvel a um investidor privado para se livrar do problema, incluindo aí os custos e o passado maldito, mais de 70 anos depois da morte do ditador. “Os investidores não estão preocupados com o passado do lugar. Seus interesses são puramente comerciais “, diz Lucke.

Antes de os apartamentos de luxo começarem a ser habitados por alemães e europeus de outros países, o que é previsto para o início do próximo ano, o projeto já começou a influenciar de forma positiva a economia da ilha. Antes da queda do Muro de Berlim, aliás, era o lugar preferido de veraneio da atual chanceler federal, Angela Merkel. Na época, ela trabalhava em um centro de pesquisa estatal de Berlim Oriental.

Para que o veraneio em Rügen não seja um privilégio dos ricaços, foi criado um albergue, que oferece hospedagem barata a jovens. Para Götz, a mistura de balneário de luxo e museu reinterpreta o passado de forma kitsch, tentando misturar aspectos da era comunista com o cínico ideal “Kraft durch Freude”, de Hitler. Assim mesmo, conclui, o visitante tem a chance de compreender, observando a arquitetura nazista e a bela paisagem, “como o regime nazista conseguiu entusiasmar o povo para a guerra e a matança em massa”.

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