Opinião
Paixão à italiana
Danilo Almeida, jornalista
A Itália, definitivamente, é um país de paixões, tem essa coisa de o sangue ferver sob a pele. Estereótipos à parte, quem já passeou ou morou naquele país, como foi meu caso, nota que os italianos não fazem lá muitos rodeios para expressar o que sentem: não é muito difícil perceber se você é bem ou malquisto num ambiente, amado ou odiado. Não que seja um roteiro clichê de novela, mas paixão, vingança e perdão parecem viver lado a lado na "Terra da Bota".
A relação dos italianos com o premier Silvio Berlusconi tem um quê disso.
A um estrangeiro como eu, fortunadamente educado com respeito às instituições democráticas, soava meio estranho ver um povo historicamente trabalhador, culto e cioso de seus direitos ter como mandatário um sujeito de histórico moral e político, no mínimo, suspeito. "Ele é dono da mídia", justificavam alguns amigos italianos.
"Só sai do poder quando quiser." Até aí, a soberania do povo italiano é o que fala mais alto. Eleição é para isso mesmo.
A figura de Berlusconi, de certa forma, conserva essa paixão italiana por sua origem, reforça os vínculos com a tradição num mundo em que cada vez mais tais valores parecem se dissipar. É, às vezes, um apego perigoso à "moral e aos bons costumes": não é lá tão raro, digamos assim, presenciar situações de discriminação contra negros, não europeus e mulheres. Estas, por sinal, parecem ter gritado por um "basta!" no último domingo.
Pelo que os fatos mostram, as aventuras amorosas do premier transcendem quaisquer galanteios a que um senhor divorciado tem direito. Mais do que faltar com o decoro que se espera de um chefe de Estado, ferem a dignidade feminina e, agora, a lei. Os italianos perceberam isso.
Mas Berlusconi não se mantém no poder por acaso. Antes da sua atual gestão, a terceira, já havia enfrentado acusações que vão de conluio com a máfia e lavagem de dinheiro a corrupção e suborno de policiais e juízes. Mesmo assim, acabou reeleito, aclamado. Resta, agora, saber se em relação a esta paixão, o italiano está mais predisposto à vingança ou a mais um perdão.
Roma - O premier da Itália, Silvio Berlusconi, será julgado, no dia 6 de abril, por pagar prostituta menor de idade e por abusar da autoridade que seu cargo lhe proporciona. A sessão ocorrerá em um tribunal de Milão, sendo que os três magistrados nomeados para julgá-lo são mulheres, com destaque para a juíza Cristina Di Censo.
Foi ela quem determinou que Berlusconi seja julgado imediatamente ao aceitar a visão dos promotores de que os procedimentos comuns precisam ser deixados de lado por causa da "obviedade da evidência contra ele.
Mesmo assim, Piero Longo, um dos advogados de Berlusconi, disse ao jornal La Repubblica que não vê problema no domínio feminino no julgamento. "Que bom. As mulheres são sempre estimadas, às vezes até mesmo encantadoras, respondeu Longo.
A acusação diz que Berlusconi pagou a prostituta marroquina Karima el-Mahroug, conhecida como "Ruby, a ladra dos corações, quando ela tinha somente 17 anos.
O outro processo também envolve a jovem. Ela foi levada para uma delegacia acusada de roubo. Para libertá-la, Berlusconi usou sua influência ao dizer para os policiais que Ruby era sobrinha do então ditador do Egito, Hosni Mubarak, prisão que resultaria em crise diplomática entre os dois países.
Nicole Minetti, a conselheira da região da Lombardia, é acusada de ter buscado Ruby na delegacia a pedido do premiê.
Os advogados que defendem o premier terão 15 dias para decidir qual caminho jurídico seguirão.
Impedimento
Dessa vez, a defesa não poderá alegar que Berlusconi possui um compromisso oficial no dia do julgamento, o chamado "legítimo impedimento, que fazia com que os processos fossem suspensos por, no mínimo, seis meses.
O Tribunal Constitucional derrubou a blindagem de Berlusconi no dia 13 de janeiro deste ano, o que possibilita a retomada das acusações que recaem sobre ele.
Como Berlusconi não tem a obrigatoriedade de comparecer, seus defensores podem optar por um julgamento fechado, mantendo a mídia no lado de fora. Neste caso, o trio considerará somente as provas apresentadas pelos promotores, o que representa uma forte possibilidade de derrota.
A outra opção é julgamento com a presença do premier, aberto para a imprensa, o que possibilitaria a contestação do material apresentado.
No domingo, milhares de italianos foram para as ruas em protestos coordenados a fim de recuperar a dignidade feminina. Cerca de 500 mil mulheres participaram. Muitos dos que manifestaram pediram a renúncia do premier como forma de resgatar o orgulho do povo italiano.