O presidente dos EUA, Joe Biden, discursando nesta terça-feira (25) na Conferência Legislativa dos Sindicatos de Construção da América do Norte| Foto: EFE/EPA/Shawn Thew
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O presidente americano, Joe Biden, anunciou nesta terça-feira (25) que irá tentar a reeleição em 2024. A campanha do democrata apresentou um vídeo intitulado “Liberdade” para confirmar a candidatura e apresentar o slogan “Vamos terminar o trabalho!”. A frase sintetiza o tamanho do desafio que o atual mandatário terá pela frente no próximo ano e meio: uma pesquisa da NBC News divulgada no domingo (23), por exemplo, mostrou que 70% dos americanos acham que Biden não deveria concorrer novamente.

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Além de enfrentar a preocupação dos eleitores com sua idade — aos 80 anos, Joe Biden já é o governante mais velho da história do país —, o democrata também precisará provar o valor de seu legado até o momento em pelo menos três áreas principais: economia, política externa e pautas ideológicas.

Nas urnas, os eleitores terão em mente eventos como a desastrosa retirada das tropas americanas do Afeganistão, a guerra na Ucrânia, a inflação crescente nos primeiros dois anos de governo, bem como a redução histórica do desemprego, além da acalorada batalha judicial entre estados e a federação em relação ao aborto.

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Se as eleições fossem hoje, os americanos teriam este cenário para avaliar:

Política externa

Uma das decisões mais controversas do governo Biden até o momento foi a retirada das tropas americanas do Afeganistão, entregando o país nas mãos do grupo radical Talibã. O resultado dessa medida não só gerou bilhões de dólares em perda de equipamentos militares como, mais importante, um retrocesso histórico nos direitos humanos das mulheres e crianças afegãs que agora estão sob a opressão do extremismo religioso. Quase dois anos após essa decisão, a economia afegã entrou em colapso, com cerca de 85% da população vivendo abaixo da linha da pobreza, de acordo com um relatório do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, divulgado na semana passada.

Outro conflito de grande importância na agenda do presidente é a invasão da Ucrânia pela Rússia. Enquanto alguns especialistas acreditam que a reação de Joe Biden sinalizou a Vladimir Putin que o Pacto do Atlântico Norte pode tolerar uma "pequena incursão" na Ucrânia, deixando o conflito se prolongar por mais de um ano, outros destacam positivamente a aproximação da Finlândia e Suécia após a manifestação de interesse destes países aderirem à OTAN (a Finlândia já oficializou a entrada na organização), bem como o fato dos EUA terem doado US$ 46,6 bilhões em ajuda militar à Ucrânia — valor nove vezes maior do que o segundo maior doador, o Reino Unido, conforme reportado pela BBC.

Além disso, as relações entre os EUA e a China, em particular com Taiwan, também merecem destaque. Embora o governo Biden tenha aprovado recentemente US$ 1 bilhão em vendas de armas para a ilha, isso é apenas uma pequena fração do que seria necessário para Taiwan se defender de uma invasão chinesa. Os eleitores precisarão avaliar ainda se Joe Biden é firme o suficiente para responder a uma possível incursão militar da China. No início deste ano, o general da Força Aérea Mike Minihan enviou um memorando a seus oficiais com um aviso contundente: "Espero estar errado", escreveu ele sobre a possibilidade de uma guerra entre EUA e China. "Meu instinto me diz que lutaremos em 2025."

Por fim, a falta de progresso de Joe Biden em um acordo nuclear com o Irã, aliada à aproximação do país islâmico com a Rússia, também é motivo de preocupação para especialistas em política externa, colocando mais pressão sobre o presidente democrata para um possível segundo mandato.

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O jornal The New York Times foi enfático em seu editorial de fevereiro, afirmando que Joe Biden será lembrado daqui a 50 anos pelo resultado de sua política externa. "O que vai importar em 2073 é se ele conseguiu reverter a maré global de recuo democrático que começou muito antes de sua presidência, mas atingiu novos patamares com a vitória do Talibã no Afeganistão e a invasão da Ucrânia pela Rússia. Se Biden conseguir virar, será uma conquista histórica. Caso contrário, dias muito mais sombrios virão”, escreveram os editores.

“Para a Ucrânia, o objetivo americano mínimo é negar à Rússia quaisquer ganhos da sua agressão no ano passado — qualquer coisa a menos e Vladimir Putin será capaz de reivindicar a vitória, congelar o conflito e esperar pacientemente contra um estado ucraniano enfraquecido e desmoralizado. Para o Irã, o objetivo é impedir que o regime chegue a uma ruptura nuclear. Para Taiwan, é armar a ilha a ponto de ela poder se defender, sozinha, contra a invasão chinesa, preservando ao mesmo tempo uma opção americana viável de intervenção. Sobre tudo isso, a administração é um retrato em ambivalência.”

Economia

Uma pesquisa da CNN realizada no mês passado mostrou que sete em cada dez americanos avaliaram a economia como fraca ou muito ruim. Três em cada cinco entrevistados projetaram que a situação do país estará ainda pior daqui a um ano.

Muito desta percepção foi construída pela disparada da inflação. No ano passado este índice chegou a ultrapassar 9%, a maior inflação dos últimos 40 anos no país. O Federal Reserve de Nova York indicou que ao menos um terço desta disparada foi impulsionada pelo pacote de US$ 1,9 trilhão anunciado pelo democrata como alívio aos impactos da Covid-19 no país. Passado o pior, o país apresentou no mês passado uma taxa de 5% de inflação, uma redução bem-vinda, mas ainda alta. Na última década esse índice não havia ultrapassado os 3%.

Para contrabalancear a percepção de preços ao consumidor, Biden aposta na geração de emprego. No último mês, a economia dos EUA criou 236 mil empregos, enquanto a taxa de desemprego caiu para 3,5%, uma das menores da história, segundo mostraram dados do Bureau of Labor Statistics, a agência pública americana de estatísticas sobre o mercado de trabalho. A taxa de desemprego de Biden até agora é melhor do que a dos presidentes Ronald Reagan, Bill Clinton, Barack Obama, Jimmy Carter, Gerald Ford e os dois Bush.

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O dado impressionante, no entanto, não empolga. Isto porque um grande número de empregos segura o crescimento real de salários. Em maio, Biden escreveu que a criação mensal de empregos precisava cair para algo próximo a 150 mil, um nível que ele disse que seria “consistente com uma baixa taxa de desemprego e uma economia saudável”, segundo noticiou o The New York Times.

Os economistas também acreditam que nos próximos meses a economia deverá ser mais dura com Biden. Um dos motivos é o teto da dívida, ou a quantidade de dinheiro que o governo dos Estados Unidos pode tomar emprestado para pagar programas como o Seguro Social e o Medicare. Ele atingiu seu limite em janeiro e os republicanos do Congresso e o presidente estão atualmente em negociações para suspendê-lo. Também há um risco com o recuo dos bancos nos empréstimos após o salvamento do governo ao Silicon Valley Bank e ao Signature Bank.

Por fim, outra questão que deve tirar o sono dos estrategistas de campanha é o aumento das taxas de juros do Federal Reserve. Muitos analistas de Wall Street estão operando sob a lógica de que o banco central dos EUA está domando a inflação alta do país aumentando as taxas de juros, o que, por sua vez, causa a queda da demanda e o aumento do desemprego.

“Eu meio que suponho que essa baixa taxa [de desemprego] seja temporária por enquanto”, disse Steve Kamin, membro sênior do American Enterprise Institute, em uma entrevista à CNBC. “À medida que as taxas de juros do Fed começarem a 'morder' mais, à medida que a economia desacelerar e o mercado de trabalho apertar, o desemprego deve aumentar novamente."

Aborto

As pautas ideológicas e direitos civis devem ser outros grandes destaques da corrida presidencial. Uma pesquisa publicada pela Kaiser Family Foundation em agosto do ano passado mostrou que, entre uma amostra representativa de 1.847 adultos americanos, 74% consideravam a inflação um tema muito importante para as eleições, mas a questão econômica veio logo seguida pelo direito a armas (57%) e acesso ao aborto (55%).

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O vídeo de anúncio da candidatura de Biden prova que ele está de olho nesses tópicos. Logo nos primeiros quatro segundos, é exibida a imagem de uma mulher em frente à Suprema Corte segurando uma placa com os dizeres "aborto é assistência médica".

Leia mais em: Convicções da Gazeta do Povo: Defesa da vida desde a concepção

Embora Joe Biden evite pessoalmente ao máximo usar a palavra aborto em seus discursos e entrevistas — e a internet está cheia de sites com contadores sobre isso —, sua vice-presidente, Kamala Harris, é figura carimbada em eventos e manifestações sobre o assunto. Não à toa, no mesmo dia em que foi feito o anúncio da candidatura à presidência, Harris falou em um comício na Howard University para destacar o que chamou de "compromisso do governo" com o tema.

O histórico de ações federais durante seu mandato também prova isso. Após a Suprema Corte revogar o entendimento do caso Roe vs. Wade, em junho do ano passado, e devolver aos estados o direito de legislar livremente sobre o tema, a administração Biden tomou medidas para reverter a avaliação dos magistrados.

Se por um lado 12 estados já anunciaram a proibição da prática localmente, por outro Biden prometeu em um comitê democrata realizado em outubro que apresentaria ao próximo Congresso dos EUA um projeto flexibilizando o aborto em território nacional em janeiro de 2024. No mesmo evento, ele disse que vetaria qualquer proposta dos republicanos no sentido contrário, polarizando ainda mais o debate.

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Mais recentemente, o caso envolvendo a pílula abortiva mifepristona foi protagonista da batalha entre estados e federação. Na última sexta-feira (21), a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu manter o acesso a essa pílula e suspendeu uma liminar emitida por um juiz distrital do estado do Texas no começo do mês e outra de uma corte de apelações. Os magistrados bloquearam, ainda, novas restrições que possam vir a ser decididas por tribunais inferiores sobre a mifepristona, medicamento aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) desde o ano 2000 e que tem a venda contestada por grupos pró-vida.

O último editorial da revista conservadora National Review sobre o anúncio de candidatura descreveu o legado de Joe Biden em temas ideológicos desta forma: “A pródiga gastança de Biden com o orçamento federal exacerbou a inflação descontrolada de seu primeiro mandato, que ainda não foi completamente controlada. Em outros assuntos, ele simplesmente abdicou da liderança para os radicais do seu partido em uma série de questões culturais e econômicas, desde esportes femininos até fogões a gás, produção de energia doméstica e má gestão da infraestrutura de transporte do país. Os democratas estão lavando o radicalismo de suas políticas através de um figurante envelhecido”, escreveram os editores.