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A segunda parte de uma avaliação monumental sobre a mudança climática no mundo foi concluída hoje, com dados sombrios para as populações mais pobres e vulneráveis da Terra. Segundo o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, órgão da ONU), as transformações geradas pelo aquecimento global já afetam de forma visível e significativa as águas, as geleiras, as plantas e os animais, podendo colocar em risco a sobrevivência de bilhões de pessoas, em especial nos países em desenvolvimento.

"Nós não estamos mais brincando com modelos [de computador]. Isso aqui é informação empírica", enfatizou o co-presidente do grupo de trabalho 2 do IPCC, o britânico Martin Parry, durante entrevista coletiva realizada em Bruxelas e transmitida ao vivo pela internet. Parry apresentou os principais resultados de seu grupo, responsável pela seção "Impactos, Adaptação e Vulnerabilidades", junto com seu colega argentino Osvaldo Canziani e com o presidente do IPCC, o indiano Rajendra Pachauri. "São justamente as pessoas menos capazes de se adaptar à mudança climática que vão sofrer mais", resumiu Pachauri.

O relatório, o segundo do IPCC a ser divulgado neste ano, é o resultado do trabalho conjunto de centenas de cientistas mundo afora, e foi aprovado por delegados de todos os países da ONU após uma rodada de negociações que se estendeu por toda a madrugada de ontem para hoje (dia 5 para o 6). "O que nós fazemos é consolidar o conhecimento, nós não produzimos conhecimento novo", ressaltou Parry.

Problemas na lavoura

Consolidar, de fato, é a palavra exata. A equipe do IPCC usou como base para suas conclusões quase 30 mil conjuntos de dados diferentes, recolhidos por pesquisadores no mundo todo e versando sobre áreas tão diversas quanto temperatura, umidade, migrações de animais e crescimento de plantas. "Antes, você tinha vários quadros regionais. Agora, quando colocamos tudo isso junto, um panorama global claro emerge", diz Parry. "E nada menos que 90% desses conjuntos de dados apontam numa direção que é consistente com o aquecimento global causado pelo homem."

Um dos sinais globais mais claros nesse sentido é um aumento da umidade nas regiões tropicais que já são muito úmidas, enquanto os trópicos e subtrópicos que sofrem com a aridez devem se tornar ainda mais secos -- péssima notícia para o Nordeste brasileiro ou para muitas regiões da África. "É exatamente o que nós não gostaríamos que acontecesse: o aquecimento tornando um mundo desigual ainda mais desigual", declarou Parry.

As regiões mais vulneráveis aos efeitos nocivos da mudança climática são, segundo o grupo, o Ártico, a África ao sul do Saara, as áreas montanhosas, as pequenas ilhas (correndo risco sério de inundação) e os grandes deltas de rios na Ásia. Esse último caso é especialmente problemático porque os deltas asiáticos abrigam as maiores densidades populacionais do planeta, incluindo vastas áreas da Índia e da China. Em alguns casos, como a África, o problema principal será a falta d'água; em outros, como os deltas, o excesso dela -- em especial a variante salgada, com o aumento progressivo do nível do mar, que inundaria essas áreas.

Em todos os lugares do globo, porém, mais calor pode significar menos produção de comida para todos. Na América do Norte e da Europa, algumas projeções davam conta de que as temperaturas mais elevadas favoreceriam o aumento da produção agrícola. Mas só até certo ponto, revela o novo relatório: com um aquecimento médio acima de 2 graus Celsius, a tendência se reverte, fazendo com que as colheitas piorem, em vez de melhorar.

"Essa perda de produtividade já pode ser notada nas áreas tropicais", afirma Parry. As mudanças também deixam sua marca -- por enquanto, aparentemente benéfica -- na Europa. "Hoje, a grama da minha casa na Inglaterra cresce o ano inteiro, ao contrário do que acontecia antes. Os engenheiros florestais da Finlândia passaram a usar 20 anos como o prazo para o corte de madeira, enquanto antes esse prazo era de 40 anos. As árvores estão crescendo mais depressa", afirma o pesquisador britânico.

A situação para a biodiversidade também não é das mais promissoras. Um aquecimento entre 2 graus Celsius e 3 graus Celsius poderia causar a perda de 30% das espécies de animais e vegetais do mundo. Nos mares, o dióxido de carbono, principal gás do efeito estufa, já está causando um aumento da acidez da água que pode ser letal para os corais, os equivalentes aquáticos da floresta amazônica, dos quais dependem inúmeras espécies de peixes e a sobrevivência de pescadores em muitas regiões do mundo. 'Sem alarmismo'

Os pesquisadores, apesar da gravidade das predições, dizem que o relatório não é alarmista. "O IPCC, na verdade, tende mais a aliviar suas conclusões do que a exagerá-las", afirmou Parry, lembrando que se trata de um trabalho de consenso (inclusive político), cujo conteúdo foi objeto de negociações exaustivas. "Muitas vezes o público e a imprensa estão muito à frente de nós em ligar eventos específicos ao problema da mudança climática. Estamos muito longe de querer ditar políticas, esse não é o nosso papel."

Para Rajendra Pachauri, no entanto, o trabalho ressalta a "responsabilidade global" diante do fenômeno, "e é isso que vai determinar como os seres humanos e as sociedades vão reagir". Para Osvaldo Canziani, a principal mensagem é que o atual estilo de vida dos países ricos, bem como a desigualdade global, não são sustentáveis no longo prazo.

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