A China está se aproximando da Itália. E desde que a epidemia de coronavírus eclodiu, ela está ainda mais perto. Na Lombardia, ao lado do governador, Attilio Fontana, apareceram médicos especialistas enviados da China, que na coletiva de imprensa disseram que “ainda há muitas pessoas circulando” e que os italianos “ainda têm muito que aprender”. E de quem, se não do regime totalitário mais intrusivo do mundo, capaz de catalogar os seus cidadãos com tecnologia de reconhecimento facial? A coletiva de imprensa chinesa em Milão faz parte de uma ofensiva retórica da China, que atualmente é considerado o primeiro país capaz de derrotar completamente a nova doença. Mas quão fundamentadas são as informações de Pequim e quão eficaz é realmente o seu modelo?
A China enviou para a Itália especialistas, know-how e materiais biológicos úteis para conter o contágio da doença. E não há nada a dizer além de elogiá-los. Mas tudo tem um preço. Está entrando no léxico político uma nova definição: a “Rota da Saúde”, nova parceria italiana-chinesa, sequência natural da Roda da Seda, onde o papel da China é inevitavelmente o do leão. O primeiro-ministro Giuseppe Conte está sempre no centro da costura dessa relação. O diretor da Huawei Itália, Thomas Miao, fala da parceria em termos políticos além de econômicos, relançando a ideia da cooperação entre Roma e Pequim para o estabelecimento da infraestrutura 5G (a nova rede de internet ultrarrápida). O 5G chinês também é um exemplo da luta contra o vírus: "Em Wuhan a eficaz troca de dados foi um fator crucial para controlar a epidemia", declarou Miao, "pois dá suporte a funções comuns, além de serviços como coleta de dados, diagnóstico e monitoramento remoto, a transmissão de imagens de alta resolução, uma melhor colaboração entre hospitais". O 5G é um setor sensível, pois é facilmente “militarizável”, porque quem controla sua infraestrutura poderia, num futuro não muito distante, dominar nos futuros campos de batalha. Por esse motivo, a administração Trump boicota os projetos de 5G da Huawei e pressiona os governos de outros países que o aceitam como parceiro privilegiado. A Itália não está excluída de uma eventual retaliação.
Em essência, a China aproveita o sucesso de sua luta contra o vírus, não só por exportar médicos e know how, mas também a nata dos seus projetos, políticos muito mais que econômicos. Mas afinal, é verdade que a China teve um grande sucesso na luta contra a Covid-19? Na semana passada, os órgãos de imprensa oficiais de Pequim não reportam “nenhuma infecção adicional por coronavírus” na cidade de Wuhan, de onde tudo começou. A transmissão comunitária, isto é, entre pessoas dentro das fronteiras chinesas, oficialmente chegaram a zero. Então, eles agora se preparam para combater os casos que podem ser levados até o país por viajantes que chegam da Europa e dos Estados Unidos. E isso será certamente premissa para um posterior fechamento e controle de alfândegas. Entretanto, é muito questionável que a China (1 bilhão e meio de habitantes, três meses de epidemia) tenha menos mortos em relação à Itália (60 milhões de habitantes, um mês de epidemia). Segundo o antropólogo Steven Mosher, os sucessos alegados pelo Partido não podem ser considerados credíveis. Se fossem verdadeiros os dados fornecidos por Pequim, “seria o mais rápido fim de uma pandemia em toda a história humana”. Mas “o que os líderes comunistas estão fazendo é muito mais simples: eles estão ordenando parar de diagnosticar casos e relatar novos casos de infecção. Da noite para o dia, os novos casos chegaram a zero”. Para dar suporte à sua tese, Mosher cita dois casos: "Há provas de que as administrações locais deliberadamente subestimaram o número dos pacientes testados positivos com o vírus. Não está claro se o fazem por imposição de uma diretiva nacional ou, simplesmente, para se adequar à narração oficial". Ademais: "Ao menos o governo de uma província está pedindo a todos os escritórios administrativos para destruir todos os ‘dados e documentos’ que possam ter recebido em relação à epidemia".
A China comunista estaria, portanto, inflando seus sucessos para obter mais crédito no exterior, também para fazer esquecer sua imensa responsabilidade pelo surto e propagação da epidemia de Wuhan para o resto do mundo. Segundo um estudo da Universidade de Southampton, se as autoridades chinesas tivessem intervindo drasticamente para conter o vírus três semanas antes, o número de casos no país teriam sido reduzidos em 95%. Deve-se lembrar, no entanto, que as autoridades se mexeram com pelo menos um mês de atraso em relação à primeira notificação dos primeiros casos de pneumonia causada por um vírus “semelhante à Sars” e mantiveram ocultas as informações até a última semana de janeiro.
Se a China fosse realmente um modelo, por que está afastando um grande número de jornalistas estrangeiros, de modo particular, americanos? Porque depois de ter retirado as credenciais de três repórteres do Wall Street Journal, anunciou a expulsão de jornalistas do New York Times, do Washington Post e da Voice of America. A justificativa, em tese, é de que se trata de uma resposta às novas regras impostas por Washington, as quais pedem aos órgãos de informação chineses estatais que se registrarem como entes diplomáticos. A reciprocidade requereria um regulamento análogo também para os jornais americanos, mas apenas Voice of America é “estatal” e equiparável aos órgãos de imprensa chineses que atuam nos EUA, os outros são diários independentes. Portanto não é só uma requisição de serem registrados como entes diplomáticos, é uma forma de censura. E o motivo poderia ser propriamente a narrativa da epidemia, que contrasta com a que o Partido quer promover no mundo.
*Stefano Magni, jornalista e ensaísta, é bacharel em Ciências Políticas, autor de “Contro gli statosauri, per il federalismo” e professor associado no curso de Geografia Econômica da faculdade de Jurisprudência da Università degli Studi di Milano.
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