A Bolívia, aos poucos, está voltando à normalidade. Embora protestos ainda estejam ocorrendo em algumas regiões, com alguns bloqueios no departamento de Cochabamba, quase todas as estradas do país estão livres para trânsito - no auge dos distúrbios, o fornecimento de alimentos para cidades inteiras ficou ameaçado.
Isso está acontecendo porque o governo interino da conservadora Jeanine Áñez e apoiadores do MAS, partido de Evo Morales, estão forjando acordos para pacificar o país. Desde que o Senado e a Câmara, ambos de maioria massista, aprovaram a anulação das eleições presidenciais de 20 de outubro e deram início a um novo processo eleitoral, sancionado por Áñez, nenhuma morte foi registrada. Mais de 30 bolivianos morreram na jornada de protestos.
Em paralelo à convocatória de eleições, o governo interino também chegou a um entendimento com setores sociais, representados por sindicatos trabalhistas, organizações indígenas e de mulheres. Entre os pontos principais, o governo de direita se compromete a libertar manifestantes presos durante protestos pacíficos, a manter programas sociais e a não fazer privatizações. Um passo importante para que as novas eleições tenham legitimidade e que posteriormente não sejam questionadas por apoiadores de Morales.
O acordo de pacificação foi assinado na segunda-feira (26) entre o governo interino e setores aliados de Evo Morales durante os seus quase 14 anos no poder. Os protagonistas da assinatura foram o ministro do Governo, Arturo Murillo, e o diretor da Central Obrera Boliviana (COB), Juan Carlos Huarachi. Morales já havia perdido o apoio da COB, um aliado-chave, quando a organização se juntou à oposição e pediu que ele renunciasse em meio às tensões após o resultado das eleições.
Com a eleição de 20 de outubro anulada, o novo pleito para presidente da Bolívia deve ocorrer até abril de 2020, em 120 dias, conforme prevê a lei promulgada em caráter de urgência neste domingo (24). O primeiro passo será escolher os novos membros do Tribunal Supremo Eleitoral, destituído após a queda de Morales por evidências de fraudes nas eleições de 20 de outubro. De acordo com a Assembleia Legislativa, em 20 dias o órgão eleitoral estará reformulado e determinará uma data para a nova disputa presidencial.
Na segunda-feira (25), Áñez nomeou o seu primeiro delegado no TSE, Salvador Romero.
Para chegar a esse acordo, o MAS teve que abrir mão de algumas coisas. Teve, por exemplo, que concordar que Morales não poderia ser candidato. O descontentamento do partido ficou registrado na foto histórica da promulgação da lei convocatória, na qual a presidente do Senado, Eva Copa Murga, aparece com cara de poucos amigos ao lado da sorridente Áñez e seu gabinete. Vale salientar que nem todos os membros do MAS aprovam o acordo com o governo interino.
A participação do MAS nesse processo é resultado da pressão internacional para que o governo provisório inclua todos os grupos, para que os resultados das próximas eleições tenham legitimidade, explica Denilde Holzhacker, professora de Relações Internacionais da ESPM.
"A questão é como o partido de Evo Morales vai se portar nesse processo", disse ela à Gazeta do Povo, ressaltando que ainda não se sabe se o partido indicará um candidato para essas eleições, quem seria o sucessor de Morales, ou se o MAS contestará as eleições.
Embora a situação ainda esteja instável na Bolívia, e ainda seja difícil precisar o que acontecerá daqui para frente, a reorganização do comitê eleitoral foi um passo importante, na opinião de Holzhacker. "Havia pressão internacional para que o país sinalizasse que as eleições seriam convocadas. Essa foi uma sinalização importante, para o governo e para a população", avaliou.
Mandato de Áñez pode ser estendido até agosto de 2020
O calendário eleitoral que será aprovado pelo novo Tribunal Supremo Eleitoral deve obrigar uma extensão do mandato da presidente interina, Jeanine Áñez, que seria concluído em 22 de janeiro de 2020. Caso contrário, haveria um vácuo de poder, segundo advogados constitucionalistas ouvidos pelo Infobae.
As novas eleições devem ser realizadas em março ou abril do ano que vem, na melhor das hipóteses. Se houver segundo turno, este seria realizado nos 45 dias seguintes. Dessa maneira, Áñez entregaria o poder ao novo governo eleito em junho de 2020. Mas alguma fontes acreditam que a transmissão do mandato poderia ser feita no dia 6 de agosto, uma data emblemática na Bolívia, que celebra a independência do país.
Salvador Romero, o primeiro nomeado para o TSE, já disse que as eleições na Bolívia não devem ser realizadas antes do dia 22 de janeiro, que seria o dia em que se encerra o mandato das autoridades eleitas.
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