Em meio a intensos protestos seguidos de repressão policial que culminou na morte de uma pessoa, parlamentares bolivianos aprovaram, na noite de sábado, dentro de uma instalação militar e sem representantes da oposição, a nova Constituição do país. A oposição chamou a cerimônia de "encenação teatral". Enquanto os constituintes deixavam o local, os distúrbios prosseguiam. Manifestantes lançavam pedras e incendiavam pneus, enquanto a polícia respondia com gás lacrimogêneo. Mais de cem pessoas ficaram feridas até agora.
A Carta Magna foi aprovada quase por unanimidade, numa academia militar. Não houve leitura do documento. Os constituintes tiveram apenas que erguer os braços em aprovação. Dos 138 presentes, 136 deram seu voto favorável. A Bolívia tem 255 parlamentares, eleitos em 2006.
Desde a sexta-feira, manifestantes reuniam-se nas imediações do local que recebia a Assembléia, para protestar contra o processo. Houve enfrentamentos com as forças policiais, que teriam começado quando os manifestantes tentavam romper o isolamento imposto na área. Segundo a Cruz Vermelha e outras fontes de Sucre (capital oficial mas não de fato da Bolívia; governo e parlamento estão em La Paz desde 1899), durante os distúrbios, um tiro atingiu no peito o advogado Gonzado Durán Carrazana, de 29 anos. Segundo emissoras de rádio de Sucre, manifestantes retiraram o corpo dele do necrotério nos ombros durante a noite de sábado e começaram a carregar o caixão pelas ruas da cidade, aos gritos de "Evo, assassino". A polícia interrompeu a marcha com gás lacrimogêneo.
"Investigação imparcial"
Um porta-voz do presidente Evo Morales informou, segundo a agência estatal ABI, que o governo está exigindo uma "investigação imparcial" para determinar as responsabilidades do incidente.
- Por nenhuma razão instruiu-se a polícia a usar armas de fogo letais, pois a violência não é a lógica desta gestão de governo - disse o porta-voz.
O vice-ministro da Coordenação com os Movimentos Sociais, Sacha Llorenti, acusou a direita liderada pelo ex-presidente conservador Jorge "Tuto" Quiroga de fomentar a violência em Sucre. Quiroga é líder da maior aliança de oposição do país, o Poder Democrático e Social (Podemos). Segundo o vice-ministro, o ex-presidente "deve responder a uma série de questões em torno da violência exercida contra os constituintes".
Tiros e feridos
Fontes do Hospital de Santa Barbara disseram que, apenas no sábado, 77 feridos nos incidentes foram atendidos ali. Um deles havia levado um tiro na cabeça e seu estado era muito grave. Duas pessoas tiveram membros amputados em explosões com dinamite e uma pessoa ficou cega de um olho.
- Condenamos este tipo de episódio e esperamos que haja investigação independente para determinar responsabilidades. Houve um assédio constante contra a Constituinte, que encerrou uma parte importante de seu trabalho - disse o vice-ministro.
O ministro da Presidência, Juam Ramón Quintana, afirmou que Morales está "muito preocupado" com o que ocorreu em Sucre.
- Não prevíamos isso. Contávamos que em Sucre se instalaria a calma, a prudência e a sensatez - afirmou o ministro Quintana. - A conclamação de algus meios e autoridades de Sucre levou a esta violência inesperada, quando conseguíamos reinstalar a Assembléia.
Em agosto, protestos ocorridos em Sucre forçaram a suspensão dos debates da Assembléia Constituinte por três meses.
A oposição rechaçou a nova Constituição, aprovada pelos partidos fiéis a Morales, argumentando que se ignorou metade do país, "sob fuzis", num quartel militar e "com sangue nas ruas". Quiroga chamou de "encenação vergonhosa" a sessão em que o Movimento ao Socialismo aprovou a nova carta.