A Bolívia decide hoje se adota uma nova Constituição. O presidente Evo Morales afirma que o texto tem o objetivo de "refundar" o país. Os críticos, porém, apontam problemas na Carta e sustentam que ela não é capaz de melhorar o quadro de polarização visto nos últimos anos entre os bolivianos.
Uma das principais características da nova Constituição é a ênfase no papel do Estado, considerado "ator central". Empresários bolivianos acusaram o texto de ser excessivamente "estatista".
"O fato é que, nos últimos 25 anos, o Estado na Bolívia foi desmantelado", defende o cientista político boliviano Eduardo Gamarra, diretor do Centro de Estudos da América Latina e Caribe da Universidade Internacional da Flórida. Por outro lado, Gamarra afirma que o texto prevê o avanço do governo também sobre setores que não são estratégicos e poderiam ser ocupados pela iniciativa privada.
"Na parte econômica do referendo, sem dúvida a maior ênfase é no Estado", concorda o professor Roberto Laserna, professor de ciências sociais da Universidad Mayor de San Simón, em Cochabamba, em entrevista por telefone.
O texto consagra ainda a nacionalização dos recursos naturais, concede mais poder aos indígenas e busca criar condições para a reforma agrária.
A nova Carta é uma das principais promessas de campanha de Morales, no poder desde o início de 2006. A Assembleia Constituinte se reuniu em agosto daquele ano, mas não conseguia aprovar texto algum. Por fim a Carta foi aprovada por constituintes membros da situação em um quartel, sem a presença dos opositores, em novembro de 2007.
O texto final não é, todavia, o aprovado naquela ocasião. Antes de se passar no Congresso a convocação para o referendo, houve uma série de reuniões para a realização de "ajustes", também com a participação de observadores internacionais.
Desse cenário emergiu um texto com mais de 400 artigos. "É uma Constituição mal redigida, improvisada", critica Laserna. O professor cita como exemplo o trecho que consagra a estatização dos hidrocarbonetos que, como está redigido, poderia ser interpretado como uma proibição à venda desses componentes, o que não ocorrerá.
Gamarra aponta para um problema mais grave no país, estrutural. Ele afirma que tanto a direita quanto a esquerda violaram seguidamente as leis nos últimos anos, como por exemplo no processo da convocatória para a Constituinte. "Agora, vão passar uma nova Constituição e ninguém vai obedecer da mesma maneira."
O especialista diz que o país sofre ainda de uma "cultura política intolerante e autoritária", desde a Revolução de 1952, o período de governos militares (196482) até o governo atual. "Tudo que impõe Morales de uma maneira autoritária é aplaudido como democrático", diz Gamarra.
Divisões
Uma pesquisa divulgada na quarta-feira pelo instituto Observatório de Gestão Pública indica que o "sim" deve vencer com mais de 60% dos votos dos pouco mais de 3,8 milhões de eleitores, em um país de 9,25 milhões de habitantes. Em alguns dos nove departamentos (estados), porém, o "não" pode sair vitorioso, aprofundando a divisão nacional.
Uma das regiões que rechaçam a agenda de Morales é Santa Cruz, área mais rica do país, devido em grande parte ao gás, e foco da oposição. Para agradar aos opositores a situação concedeu maior autonomia aos departamentos, porém não na medida esperada por eles. A oposição à Carta também pode vencer em Sucre, Tarija e talvez Beni, aponta Gamarra. "As divisões parecem estar se aprofundando", nota Laserna. "Um referendo é, naturalmente, um momento de polarização", sustenta, pelo fato de não haver meios-termos ou se rechaça ou se aprova o texto.
O cenário que se avizinha, portanto, é de uma nova Constituição, com a permanência das velhas divisões. "Tenho bastante ceticismo sobre o que ocorrerá depois do referendo na Bolívia", comenta Gamarra.
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