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O presidente da Bolívia, Evo Morales, estremeceu a política externa do Brasil ao anunciar a nacionalização das reservas bolivianas de gás natural e petróleo. Ao contrário do que pretendiam a Petrobrás e a diplomacia brasileira, Morales cumpriu sua promessa de campanha como vinha sendo anunciada nas últimas semanas: de forma unilateral e sem garantias às multinacionais que investiram no país.

Segundo especialistas em relações internacionais, Evo Morales já havia demonstrado que daria mais importância à política interna do que às negociações internacionais. Com a nacionalização dos recursos naturais, ele se fortalece para as eleições parlamentares marcadas para 2 de julho e atende à principal reivindicação popular na Bolívia. "Não há muita razão para perplexidade. O governo boliviano disse que faria isso", afirma Rafael Villa, professor do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (Nupri/USP).

Diante da proposta irredutível de estatização dos hidrocarbonetos, o governo brasileiro optou por um estilo leve de negociação. O Brasil apostou que seu peso na economia boliviana seria suficiente para arrancar cláusulas aceitáveis quando a nacionalização do gás fosse decretada. Afinal, somente a Petrobrás, que investiu US$ 1,5 bilhão em suas operações bolivianas, responde por mais de 15% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. "Faltou a percepção de que o governo da Bolívia vê o assunto como se não tivesse nada a perder", analisa Antônio Carlos Lessa, professor de relações internacionais da Universidade Nacional de Brasília (UNB).

O governo brasileiro demonstrou ontem que manterá a linha de negociação. Alguns analistas discordam dessa abordagem e dizem que a tomada das unidades da Petrobrás por tropas da Bolívia foi um ato duro o suficiente para provocar, no mínimo, uma reação diplomática forte. "É grave para as relações bilaterais porque abala todo o ambiente de negócios entre os dois países", diz Lessa. "O prejuízo ao patrimônio parece irreversível e só restaria ao Brasil elevar o tom diplomático." Isso seria feito, por exemplo, com a chamada do embaixador brasileiro na Bolívia para consultas em Brasília e com uma manifestação dura de repúdio à medida.

A coordenadora do curso de Relações Internacionais da Faculdades Integradas Curitiba (FIC), Ângela Moreira, também diz considerar viável um endurecimento da política externa do presidente Lula. "A Bolívia pode nacionalizar seus recursos naturais. O problema é a forma de se fazer isso", afirma. Segundo ela, os investimentos brasileiros não podem ser tratados como uma forma de colonização porque foram feitos com contratos e acordos.

Rafael Villa, da USP, lembra que a nacionalização de recursos naturais ocorreu em diversos países sul-americanos nas últimas décadas e que ainda há espaço para negociações como as que vêm sendo conduzidas pelo governo brasileiro. "O fato é que um Estado quer retomar o controle sobre suas fontes de energia e as empresas terão de se adaptar a isso, como ocorreu no Brasil quando a Petrobrás foi criada", comenta.

Desde o início do governo Lula, a diplomacia brasileira vinha se esforçando em colocar o país em uma posição de liderança entre as nações emergentes. Na América do Sul, o Brasil fez de tudo para equilibrar uma estratégia de boa vizinhança com governos de esquerda rotulados como "populistas", entre eles Hugo Chávez na Venezuela e Evo Morales na Bolívia. "Agora essa liderança foi colocada contra a parede e ficou abalada", diz Lessa, da UNB.

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