Mulheres indígenas votam em Tiahuanako, a 90 quilômetros da capital La Paz.| Foto: Rodrigo Buendia/AFP

Raio X

Confira a seguir informações a respeito de Evo Morales, confirmado ontem pelos bolivianos, como o chefe de Estado por mais dois anos.

Quem é

Evo Morales, 47 anos, é o primeiro chefe de Estado indígena da história da Bolívia. Líder esquerdista dos plantadores de coca mais importante do país e deputado no Congresso, percorreu um caminho árduo desde seu nascimento, em 26 de outubro de 1959, em Isayavi.

Origens

Descendente de aymaras e quechuas, as duas maiores etnias da Bolívia. Depois de uma infância pobre, que levou quatro de seus seis irmãos à morte antes de completarem dois anos, Morales deixou sua região devido a uma feroz seca que no início da década de 1980 assolou o altiplano boliviano "em busca de pão", como costuma afirmar.

Trajetória

Desempenhou variadas atividades, como membro de uma banda de música e jogador de futebol. Depois, foi secretário de Esportes de uma agremiação de produtores de coca, onde implantou uma incansável luta sindical, que o converteria mais tarde no líder de 30 mil famílias pobres vinculadas à produção da folha na região central de Chapare, antigo centro produtor de cocaína.

Coca

Fundou o Conselho Andino de Produtores de Coca, que inclui organizações de Peru, Equador, Colômbia e Bolívia, antes de receber o Prêmio Gadhafi dos Direitos Humanos em 2000 e ser candidato ao Prêmio Nobel da Paz em 1995.

"Modéstia"

"Não ganhei o Nobel por falta de uma campanha do governo de La Paz", disse, mais de uma vez, Morales. Tornou-se popular graças à capacidade de mobilização de seus protestos e, em outubro de 2003, liderou o movimento que resultou na queda do empresário Gonzalo Sánchez de Lozada.

O líder

À frente do Movimento Ao Socialismo, principal força política boliviana, Morales é defensor do livre cultivo de coca e opositor das políticas "imperialistas" dos Estados Unidos. Nas últimas eleições, há dois anos, conquistou o cargo máximo do país com 54% dos votos. Ontem, foi confirmado no posto, via referendo.

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A Bolívia tem um novo-velho presidente. Evo Morales foi aprovado nas urnas ontem e permanece no cargo até o final de 2010. Com 75% dos votos apurados, tudo indica que o presidente sairá fortalecido do processo – com 60% de apoio. Apesar de alguns problemas, o referendo revogatório transcorreu dentro da normalidade. O resultado completo só será conhecido, e confirmado, no decorrer desta semana.

O professor de Ciências Políticas da Universidade Mayor San Andrés, Carlos Cordero, diz acreditar que o referendo atualiza o cenário de poder. "Os 54% (de 2005) já haviam se convertido em um dado histórico. Agora, dá um novo impulso também para os governadores que foram ratificados". Só para os que foram ratificados, entre eles os da oposição.

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Foram revogados os mandatos dos governadores de Oruro, Alberto Aguilar; de La Paz, José Luis Paredes; e de Cochabamba, Manfred Reyes Villa. Os três perdem o cargo sob qualquer uma das normas firmadas para o referendo: tanto a da Corte Nacional Eleitoral, que prevê que a revogação venha com 50% mais um, quanto a da lei aprovada pelo Congresso, que firma que o porcentual de "Não" tem de ser igual ao número de votos recebidos pelo político nas eleições de 2005.

Ressaca

O ex-presidente Carlos Mesa (2003-2005) diz acreditar que esta segunda-feira deve ser um dia previsível na Bolívia: "Agora, todos falarão que saíram vencedores, um acusará o outro de fraude e a polarização será mantida como está". Nos últimos dias e, durante a votação, o presidente Morales pregou que o pós-referendo é o momento de entrar em acordo. Os opositores pretendem realizar a partir de hoje a intensificação dos protestos com a invasão gradual de prédios públicos.

Pelos dados parciais, o presidente perdeu em quatro estados: Santa Cruz, Beni, Chuquisaca e Tarija. São os mesmos lugares em que Morales teve de cancelar compromissos nas últimas semanas por simplesmente não conseguir pôr os pés nessas localidades.

Conflito anunciado

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O país, dividido, tende a ter muitas dificuldades para que as duas partes sentem-se à mesa de negociações. Há pela frente duas conversas que podem colidir: a autonomia dos estados e a nova Constituição. Carlos Mesa prefere não dizer que a vitória do presidente no referendo facilite o apoio popular ao texto, e está certo de que a nova campanha será muito mais dura.

Morales havia prometido que, logo depois da realização da votação deste domingo, partiria para mais duas, ambas sobre a Constituição. Mesmo apoiando o governo, o estudante Rudi Conde faz ressalvas ao projeto constitucional aprovado pelo partido do presidente. Para Conde, é preciso pensar em todos os bolivianos, e não apenas nos indígenas.

Barril de pólvora

O professor Carlos Cordero observa que Morales não pode ficar governando apenas pelo sucesso que tem nas urnas. Cordero analisa que o presidente se comporta como um guerreiro, o que às vezes é prejudicial porque "não consegue dar um passo atrás. Se pudesse, não há nada que impeça a reconciliação".

Do outro lado, a chamada Meia Lua também não cede na conversa sobre as autonomias. O ex-presidente Mesa considera, no entanto, que o estatuto autonômico aprovado ilegalmente pelos quatro estados é radical, exatamente, para que chegue a um ponto moderado na hora da negociação. Ele pensa que não há cabimento na idéia de pensar que Santa Cruz, na verdade, quer a independência em relação à Bolívia: "Essa polarização é artificial. Passa a idéia de que a Bolívia é um país separado entre Oriente e Ocidente. Não vai haver guerra civil. Há uma confrontação de outra natureza, grave certamente. O país perdeu institucionalidade, não nos submetemos à lei".

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Para o acadêmico Carlos Cordero, as declarações de conspirações de parte a parte são um "discurso de balcão". "Apesar do conflito, aprendemos a valorizar a conversa. Antes de 2005, chamar Evo Morales de democrata seria um insulto. Mas, então, ele chega à Presidência pelo voto e se transforma em um grande defensor da democracia", completa Cordero.