Se um dos atuais líderes nas pesquisas vencer as eleições presidenciais, a política externa brasileira pode sofrer uma guinada drástica. Jair Bolsonaro (PSL) promete um rompimento com posições diplomáticas tradicionais do Brasil, enquanto Fernando Haddad (PT) propõe uma desconstrução da política externa dos últimos dois anos e o resgate da diplomacia lulista.
Bolsonaro: aproximação com Israel e desconfiança com a China
Com Bolsonaro, o elemento incerteza é maior sem nomes óbvios em política externa, a campanha tem contado com colaboradores informais e é difícil discernir o que é slogan eleitoral do que seria realmente posto em prática. Fã declarado do presidente americano, Donald Trump, Bolsonaro já afirmou diversas vezes que quer aproximar o Brasil dos EUA e de Israel. "Os americanos tiveram um papel extraordinário na nossa história, impediram que nós virássemos uma Cuba em 1964", disse ele, em vídeo neste ano.
O presidenciável emulou seu ídolo ao anunciar que gostaria de transferir a embaixada do Brasil em Israel para Tel Aviv e que pretende fechar a embaixada da Autoridade Palestina em Brasília. Nos dois casos, romperia com tradições diplomáticas do Brasil e geraria hostilidade dos países árabes. "A Palestina não é país, não deveria ter embaixada aqui. Não dá para negociar com terrorista", afirmou em agosto.
O governo brasileiro reconheceu a Palestina como Estado independente em 2010.
Um de seus filhos, o deputado Eduardo Bolsonaro, é ainda mais assertivo em sua defesa de Israel. "Israel abriga em seu território milhões de árabes, dá água, dá hospital para eles", disse. "Hamas, Hezbollah, esses são os verdadeiros terroristas. Israel não lança bomba para cima da Palestina", afirmou em discurso na Câmara, em junho.
Em sua posição pró-Israel, Bolsonaro é influenciado pelos evangélicos e por alguns apoiadores da comunidade judaica conservadora, como Meyer Nigri, fundador da construtora Tecnisa, e o empresário Fábio Wajngarten.
"Esta viagem a Israel, Estados Unidos, Japão, Coreia e Taiwan mostra de quem seremos ser amigos; queremos nos juntar com gente boa", disse Bolsonaro em evento em Taiwan, em março deste ano.
Sua viagem, aliás, causou uma saia justa diplomática. Ele foi o primeiro presidenciável a visitar Taiwan desde que o Brasil reconheceu Pequim como "o único governo legal da China" em 1974. Em carta, o governo chinês manifestou sua "profunda preocupação e indignação", dizendo que a visita do deputado violava "o princípio de Uma Só China".
Ao longo da campanha, Bolsonaro demonstrou desconfiança em relação à China. "Está vindo um monte de chinês aqui comprar nossas terras, eles vão quebrar nossa agricultura e dominar nossa segurança alimentar", disse em vídeo, neste ano. "A China não está comprando no Brasil, está comprando o Brasil."
O guru econômico de Bolsonaro, Paulo Guedes, vem se reunindo com Marcos Troyjo, diretor do BRICLab da Universidade Columbia e colunista da Folha. Uma das principais ideias que Troyjo teria discutido com Guedes é a reemergência dos Estados Unidos como grande potência mundial e a metamorfose da China, país que está agregando valor a sua produção, com o Plano China 2030, e que está cada vez mais assertivo no cenário global, com projetos como One Belt One Road.
Hussein Kalout, secretário de Assuntos Estratégicos do governo Temer, é próximo do vice de Bolsonaro, general Hamilton Mourão (PRTB), e almoçou recentemente com ele e Guedes. Ele nega estar se aproximando da campanha, mas Marcos Degaut, seu sócio e secretário adjunto na SAE até agosto, afirma estar colaborando informalmente. Degaut diz não ter sido contatado por ninguém do núcleo duro da campanha, apenas por pessoas próximas.
Ele é muito crítico ao Itamaraty, que acusa de manter tradições anacrônicas e ênfase exagerada em multilateralismo. "A OMC está em estado agonizante, até que ponto vamos continuar concentrando nossos esforços nesse tipo de foro multilateral?" Alguns diplomatas são apontados como próximos de Bolsonaro ou de sua equipe. O embaixador aposentado Pedro Fernando Brêtas Bastos, colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha, é amigo do general Augusto Heleno. "Ninguém vai falar sobre política externa antes do segundo turno", disse Brêtas.
Haddad: preferência pelo multilateralismo
O programa de governo de Haddad promete uma volta da política externa "ativa e altiva". "No governo Dilma, a política externa não deixou de ser altiva, talvez tenha sido um pouco menos ativa. Mas, depois, mudou completamente, foi um desastre", disse Celso Amorim, chanceler durante o governo Lula (2003-2011) e um dos autores do programa de governo. "Teríamos um trabalho enorme de reconstrução, muita coisa foi desfeita durante o governo golpista de Michel Temer."
Mas Amorim afirma que o mundo mudou e eles se adaptaram. Ele fala na necessidade de reconstruir a Unasul, mas, segundo ele, poderia ser um outro organismo em novo formato, incluindo o México.
Indagado se a nova orientação ideológica no continente, a maioria dos governos agora são de centro-direita, não atrapalharia na integração, Amorim é "paz e amor". "Precisamos trabalhar com a diversidade, o importante é a capacidade de dialogar; [Álvaro] Uribe, por exemplo, assinou a criação da Unasul."
O ex-ministro diz dar preferência ao multilateralismo, mas admite que "não dá para por todos os ovos na mesma cesta". Com os Estados Unidos, com Trump ou sem Trump, é preciso ser pragmático, diz Amorim. "EUA são a maior potência do mundo, precisamos ter uma relação pragmática "é só lembrar como o relacionamento entre o ex-presidente Lula e o ex-presidente George W Bush foi ótimo."
Alckmin: foco na Ásia, China e Estados Unidos
A política externa de Geraldo Alckmin (PSDB) é tocada por Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Washington. O partido mantém algumas de suas bandeiras: foco na Ásia, China e Estados Unidos, segurança nas fronteiras, abertura da economia.
Mas há mudanças. Em vez de criar um ministério dedicado ao comércio exterior, como chegou a defender Barbosa, a Camex deveria centralizar a estratégia para o setor. O programa não mais defende que o Mercosul seja flexibilizado para que os países possam buscar acordos comerciais de forma independente.
Alckmin defende a entrada na Parceria Trans-Pacífica e a continuação do processo de adesão à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento econômico.
Ciro: rejeição a relações neocoloniais com os EUA e China
O programa de política externa de Ciro Gomes (PDT) é formulado por Mangabeira Unger, ex-secretário de Assuntos Estratégicos (governos Dilma e Lula).
Prega a inserção do Brasil nas cadeias produtivas globais com políticas de incentivo para a indústria de alta tecnologia e continuidade na aposta no multilateralismo. Para ele, a relação com os Estados Unidos precisa ser de parceria, e não de protetorado, como é hoje; e é preciso rejeitar uma relação neocolonial com EUA e China. Ciro também se opõe à compra de terras brasileiras por chineses e criticou investimentos da China em Angola.
Marina: desenvolvimento sustentável
Já Marina Silva (Rede) enfatiza o desenvolvimento sustentável como linha mestra da política externa e eventual fonte de "soft power". Crítica da política externa petista, ressalta a necessidade de não submeter a política a "relativizações de cunho ideológico".