Sem-teto sentam e conversam em frente a uma casa de penhores em Henderson, no Norte da Nova Zelândia| Foto: ASANKA BRENDON RATNAYAKE/NYT

Para muitos estrangeiros, a Nova Zelândia é um país bonito e rico, o lugar onde filmaram a trilogia "O Senhor dos Anéis", mas para Joseph Takairangi e milhares de outras pessoas é conhecida pela moradia cara demais, muito além de suas possibilidades. 

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Há pouco tempo, em uma noite fria e chuvosa, ele e alguns amigos procuravam um lugar para passar a noite. Tinham acabado de chegar a um estacionamento, depois de terem sido expulsos de um trecho onde há várias lanchonetes, no subúrbio de Henderson (Norte do país). 

Não demorou muito para que saísse do alto-falante sobre suas cabeças uma voz dizendo: "Vamos andando, pessoal." 

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A Nova Zelândia tem o maior índice de moradores de rua entre as nações ricas que pertencem à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, como concluiu um estudo feito pela Universidade de Yale no ano passado, embora observe que as definições de "sem-teto" variem de um país para outro. Aqui, os assistentes sociais dizem que as pessoas em situação de rua – e que, de acordo com uma análise abrangente feita por uma universidade federal, correspondem a 1% da população – e cada vez mais incluem gente que está empregada. 

"Precisamos de um sistema mais simples; tem muita burocracia para alugar/comprar casa hoje em dia", reclama Takairangi, 36 anos. 

Além daqueles que, como ele, dormem na rua, há também os neozelandeses que vivem em carros, em locais precários ou superlotados e famílias que se encontram em abrigos emergenciais por curtos períodos, geralmente quartos de motel ou parques de trailers, enquanto aguardam a disponibilidade de algum tipo de moradia pública. 

Poucas casas

De acordo com Phil Twyford, ministro da Habitação, desde o "colapso" por que passou o mercado imobiliário nacional, resultado da crise de 2008, em certas partes do país os preços dobraram, ficando muito além do valor que tinham antes da estagnação mundial. 

Auckland, maior cidade do país, sempre aparece entre os dez mercados imobiliários menos acessíveis na pesquisa anual da Demographia International, que analisa os preços de moradia em relação à renda. 

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"O desabrigo é o pior sintoma de um mercado imobiliário altamente disfuncional. O problema atual da inacessibilidade é o pior desde a Crise de 1929", constata Twyford. 

Shamubeel Eaqub, economista imobiliário da consultoria Sense Partners, explica: "Durante várias décadas, a Nova Zelândia não construiu um número adequado de casas e agora faltam pelo menos 500 mil para suprir as necessidades de seus 4,5 milhões de habitantes." 

E prossegue, dizendo que o governo deixou de oferecer moradia depois de uma mudança radical, nos anos 80, que passou a apostar em políticas voltadas para o mercado livre. Assim, mesmo se qualificando aos conjuntos habitacionais, milhares têm que esperar meses, às vezes anos para se mudar. 

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"Há pouquíssimas casas e, obviamente, os mais pobres e vulneráveis sofrem mais. Quando a moradia pública é a última saída, mas não há disponibilidade, para onde vão essas pessoas?", questiona Eaqub. 

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O Partido Trabalhista de centro-esquerda de Twyford, liderado pela primeira-ministra Jacinda Ardern, subiu ao poder em outubro, em parte graças à promessa de solucionar o problema do desalojamento e da habitação caríssima. 

Em junho, para ajudar a cumpri-la, o governo anunciou a formação de um novo Ministério de Habitação e Desenvolvimento Urbano, prometendo construir mais conjuntos habitacionais e casas acessíveis, criar novas residências emergenciais, cuidar dos moradores de rua mais antigos, acabar com a burocracia para a compra/uso de terrenos, oferecer incentivos para novas construções e dar mais direitos aos inquilinos. 

Valores culturais

Na região sul de Auckland, uma das áreas urbanas mais necessitadas do país um grupo está usando valores culturais para solucionar o problema. 

Em meados de 2016, comovida com as reportagens que mostravam famílias inteiras vivendo em carros em South Auckland, a avó de Martha Ewe pediu sua ajuda para convencer os maoris, povo indígena da Nova Zelândia, a lhes dar um lugar para ficar. 

Junto com a própria família e outras da comunidade nativa, Ewe, que na época era assistente da gerência de uma filial da Subway, começou a acolher, alimentar e a vestir os sem-teto, com a ajuda de doações particulares. 

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A iniciativa tem como base Te Puea Marae, complexo de prédios tradicionais que serve como lar ancestral para os maoris, além de funcionar como centro comunitário para velórios e reuniões públicas. 

Já no terceiro ano, a operação em South Auckland é reconhecida como provedora integral de moradia emergencial para famílias desabrigadas com crianças, e recebe verba pública para cuidar de seus clientes e ajudá-los a encontrar um lugar para morar. 

Ewe, conhecida como Moko, agora é a coordenadora de habitação. "Sou responsável pela parte prática do processo. E se tiver que varar a noite para conseguir moradia para as minhas famílias, eu o faço com prazer", afirma. 

Uma cliente, para quem Te Puea pediu anonimato, chegou ao local há um mês e meio, com os três filhos, incluindo um recém-nascido, depois de ser despejada da casa onde morava e passar três semanas em um motel. Procurar casa de ônibus com as três crianças a tiracolo provou ser tarefa impossível, com praticamente todos os proprietários afirmando que ela não tinha condições financeiras "adequadas". 

Depois que a família chegou a Te Puea, foi acomodada pelos funcionários em um dos diversos chalés do complexo, que também ajudaram o pai das crianças a encontrar um emprego mais lucrativo. E quando deixou o local, em junho, a casinha já estava reservada para outra família, em lista de espera, que deveria se mudar nos próximos dias. 

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"Seguimos nosso tikanga, nossa cultura e valores, em relação à administração do local. Muitas famílias dizem que, se não fosse por nós, ainda estariam em um quarto de motel, esperando por um milagre", conta Ewe. 

Do outro lado da cidade, em Henderson, outros sem-teto elogiam o trabalho da Te Puea, mas afirmam que suas opções continuam tão limitadas quanto sempre foram. Alguns inclusive dizem ter se envolvido com algumas instituições de caridade que só prometeram, mas nada fizeram – inclusive adolescentes que fugiram da casa dos pais adotivos, com medo de procurar assistência pública por acharem que seriam mandados de volta. 

Burocracia

A reclamação mais comum, porém, é a burocracia governamental, um processo confuso que não gera resultados óbvios e desencoraja os necessitados a procurarem ajuda. Muitos revelam ter que esperar várias semanas por atendimento e nem sabem exatamente a que têm direito. 

Segundo Rutledge, neste inverno a procura pelos 23 apartamentos da De Paul House é a maior que já viu. O abrigo, localizado em uma região no norte da cidade conhecida pela exclusividade, acomoda cerca de cem pessoas por vez, mais da metade sendo crianças. 

Embora muitos moradores de rua enfrentem uma série de problemas complexos, incluindo doenças mentais e uso de drogas, Rutledge diz que é cada vez mais comum atender a famílias em que pelo menos um dos membros trabalha. 

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E se mostrou receptiva em relação às novas propostas do governo, mas disse que seus clientes ainda enfrentam muitas dificuldades. "Vai levar um tempão para solucionar esse problema – dois, três anos, talvez até mais", calcula. 

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