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Pós-referendo

Boric perdeu, mas não desistirá de uma Constituição à esquerda para o Chile

Chilenos que votaram pelo “não” no referendo constitucional comemoraram nas ruas de Santiago no domingo à noite (Foto: EFE/Elvis González)

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No domingo (4), os chilenos rejeitaram de forma acachapante (mais de 60% dos votos) uma nova proposta de Constituição para o país, criticada como “excessivamente progressista” por conter medidas como a ampliação dos gastos do Estado (na criação de sistemas nacionais de previdência social e de saúde, por exemplo) sem detalhar de onde viriam os recursos para custear isso, tratamento jurídico diferenciado aos povos nativos chilenos e previsão constitucional para o aborto.

A atual Carta Magna, que entrou em vigor durante o regime do ditador Augusto Pinochet (1973-1990) e sofreu modificações desde a volta da democracia, passou por mudanças em 2019 para prever o (agora fracassado) novo processo constituinte, e uma dessas alterações estabelece claramente que, se a rejeição ao novo texto saísse vencedora das urnas, a Constituição atual permaneceria vigente.

Ou seja, uma nova Carta Magna exigiria um processo de elaboração partindo novamente do zero. O presidente de esquerda Gabriel Boric já havia sinalizado durante a campanha do referendo que buscaria esse caminho se o “não” vencesse.

“Se a alternativa da rejeição [à nova Constituição] vencer, o que vai acontecer é que teremos que prolongar esse processo por mais um ano e meio (...). Tem que haver um novo processo constituinte”, destacou Boric em julho, em entrevista à emissora de televisão local Chilevisión. “Tudo terá que ser discutido novamente, do zero.”

Boric argumentou na ocasião que quase 80% dos cidadãos chilenos “votaram claramente que querem uma nova Constituição” no plebiscito de outubro de 2020, optando por “uma nova Constituição escrita por um órgão especialmente eleito para esse fim”, alegou o presidente.

Boric está sendo investigado porque a oposição denunciou que ele fez campanha a favor do “sim” e desrespeitou o princípio da prescindência, que estabelece que nenhum funcionário público chileno pode usar recursos públicos ou seu horário de trabalho para favorecer uma opção eleitoral.

O texto que foi votado no domingo havia sido elaborado por uma assembleia constituinte de maioria esquerdista, eleita após os protestos de 2019 e 2020 contra o governo de centro-direita de Sebastián Piñera (2018-2022).

No domingo à noite, após a vitória do “não”, Boric deixou claro que não vai desistir de uma nova Constituição para o Chile. “Prometo fazer tudo de minha parte para construir, junto com o Congresso e a sociedade civil, um novo itinerário constituinte”, declarou o presidente.

“O povo do Chile se pronunciou e o fez em voz alta e clara. Os chilenos e chilenas exigiram uma nova oportunidade para nos encontrarmos e devemos atender a esse chamado”, afirmou Boric.

Nesta segunda-feira (5), ele se reuniu com os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, Álvaro Elizalde e Raúl Soto, respectivamente, já para discutir um novo processo constituinte.

Elizalde, que é do Partido Socialista, legenda que apoia Boric, disse após o encontro que a expectativa é “avançar rapidamente nesse processo, ouvindo as diferentes perspectivas e propostas dos diferentes partidos políticos, das bancadas, dos movimentos sociais e das organizações da sociedade civil”.

“Temos que tirar lições do que aconteceu e, acima de tudo, temos que cumprir o mandato que os cidadãos nos confiaram através de um diálogo inclusivo”, argumentou.

Entretanto, não se sabe qual seria o formato desse processo (são especuladas quatro opções: uma comissão de peritos, uma convenção mista composta por parlamentares e especialistas, a eleição de uma nova assembleia constituinte ou que o texto seja elaborado pelo Congresso chileno), nem se Boric terá condições políticas de levar essa ideia adiante.

A direita chilena controla metade do Senado e mais de 40% da Câmara. Com as dificuldades econômicas que o Chile enfrenta, apenas 37% da população aprova o trabalho do presidente esquerdista – não por coincidência, uma porcentagem praticamente igual às dos que votaram no “sim” no domingo.

O presidente do partido conservador União Democrática Independente, o senador Javier Macaya, disse que a oposição não é contrária a revisões na atual Constituição nem a uma nova Carta Magna, mas que esta precisa representar um “consenso social” e não a agenda de um determinado campo político.

“Dissemos desde o primeiro dia: a vitória do ‘não’ é a vitória do bom senso e não de um setor político. Um texto que nos dividia foi rejeitado. Hoje, o compromisso é com uma nova oportunidade para o Chile, um novo pacto social e uma boa Constituição que una nosso país”, escreveu no Twitter.

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