O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, subiu ao palco na conferência anual do Partido Conservador em Manchester nesta quarta-feira (2) e anunciou o que chamou de "propostas construtivas e razoáveis" para que um acordo para o Brexit seja fechado até o final de outubro.
Ele foi aplaudido pela plateia. Mas o seu tão esperado plano foi recebido com desconfiança na Europa e criticado por parlamentares da oposição no Reino Unido.
Johnson não ganhou nenhum apoio adicional quando, horas depois, seu porta-voz anunciou que o governo tentaria suspender - ou "prorrogar" - o parlamento de 8 a 14 de outubro, quando a rainha Elizabeth II deve ir até a Câmara para o "discurso da rainha" e preparar o terreno para uma nova agenda.
No mês passado, a Suprema Corte decidiu que a suspensão de cinco semanas que Johnson havia solicitado era "ilegal". A pausa proposta nesta quarta-feira seria muito menor. Mas ela aconteceria apenas alguns dias antes de Johnson tentar fechar um acordo com os líderes europeus na cúpula de 17 de outubro. Os legisladores ficaram furiosos ao serem deixados de lado pelo governo, enquanto os prazos do Brexit se aproximam.
Em uma carta ao presidente da União Europeia, Jean-Claude Juncker, Johnson reiterou sua oposição ao "backstop irlandês" - uma cláusula negociada por sua antecessora Theresa May para garantir uma fronteira aberta na ilha da Irlanda. Johnson disse que seu governo estava buscando uma separação mais decisiva da União Europeia. "Nestas circunstâncias, a proposta do 'backstop' é uma ponte para lugar nenhum", escreveu ele.
Em contraste com os acordos anteriores do Brexit, o plano de Johnson recriaria duas fronteiras onde atualmente não existe nenhuma. Haveria uma fronteira aduaneira entre UE e Reino Unido na ilha da Irlanda, entre o norte e o sul, e uma nova fronteira regulamentar entre a Irlanda do Norte e o resto do Reino Unido.
Anteriormente, essas ideias foram fortemente reprovadas pelos unionistas da Irlanda do Norte, que rejeitam qualquer sugestão de que sua região seja distinta.
As propostas de Johnson não foram imediatamente rejeitadas em Bruxelas ou em outras capitais europeia, como tem sido o caso após as propostas britânicas. Vários analistas, no entanto, disseram que a perspectiva de um avanço não parecia boa. O plano de Johnson parece ultrapassar limites estabelecidos anos atrás por negociadores da UE.
Juncker citou "avanços positivos", especialmente a proposta de manter muitos regulamentos da Irlanda do Norte alinhados com os padrões da UE. Mas ele também disse que havia "pontos problemáticos" sobre a falta de vontade do Reino Unido de se comprometer em manter a fronteira completa e permanentemente aberta. "A UE quer um acordo", disse Juncker. "Continuamos unidos e prontos para trabalhar 24 horas por dia, todos os dias, para fazer isso acontecer."
O líder irlandês Leo Varadkar - uma voz importante já que o seu país seria afetado - estava cético. "As propostas não atendem plenamente aos objetivos do backstop", disse ele em comunicado após conversar com Johnson.
Raoul Ruparel, que deixou seu cargo como conselheiro do governo do Reino Unido na semana passada, disse pelo Twitter que a oferta exigiria "grandes concessões" da UE e da Irlanda, o que ele disse ser improvável. "Eu suspeito que, em vez disso, eles vão preferir negociar uma extensão e eleição", disse ele.
Mesmo se uma versão de seu plano for aceita pelos líderes da UE, seria difícil para Johnson ganhar aprovação do acordo em um parlamento britânico profundamente dividido.
Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhista, de oposição, disse que o plano de Johnson era "pior do que o acordo de Theresa May - não consigo vê-lo recebendo o apoio que ele acha que receberá". Corbyn disse que estava particularmente preocupado com o potencial do plano de "minar o Acordo da Sexta-feira Santa".
O plano de Johnson implica em grandes mudanças na maneira como a vida é vivida na ilha da Irlanda, onde uma fronteira invisível e o comércio sem fricções dariam lugar a um esforço complicado e oneroso de rastrear o fluxo de mercadorias através de uma fronteira que passa a ser relevante.
Johnson insiste que a Irlanda do Norte deveria deixar a União Aduaneira da União Europeia junto com o restante do Reino Unido, o que significa que seria necessário algum tipo de verificação alfandegária.
A UE tem resistido a essas verificações com o argumento de que elas poderiam comprometer a paz delicada estabelecida pelo acordo da Sexta-feira Santa de 1998 e se tornar alvo de nova violência sectária.
E se o Reino Unido divergir da União Europeia sobre impostos e tarifas, o que é quase uma certeza, isso abriria uma porta para o contrabando através da fronteira - um grande medo de governos e empresas da UE.
Johnson disse ao Partido Conservador que estava confiante que "sob nenhuma circunstância" haveria "verificações na fronteira da Irlanda do Norte ou perto dela".
Mas seu plano escrito foi vago sobre como e onde as verificações aconteceriam, dizendo que elas "deveriam ocorrer de forma descentralizada, com a papelada conduzida eletronicamente à medida que as mercadorias se movimentam entre os dois países e com o número muito pequeno de verificações físicas necessárias realizadas nas instalações dos comerciantes ou outros pontos da cadeia de suprimentos".
Johnson propôs ainda que a assembleia da Irlanda do Norte pudesse votar a cada quatro anos para decidir se continuaria com o acordo. A Irlanda do Norte está sem governo há anos, no entanto. E o plano de Johnson não diz o que acontece com essa fronteira se a Irlanda do Norte optar por sair do acordo.
Em seu discurso aos colegas Tories, Johnson disse que o prolongado debate sobre o Brexit estava frustrando a ambição do país. Ele comparou o Reino Unido a "um atleta da elite mundial com uma pedra no sapato".
Ele culpou os legisladores agitadores. "Se o Parlamento fosse um computador, a tela estaria travada com o ícone de espera", disse Johnson. "Se o Parlamento fosse um reality show, todos nós, receio, já teríamos sido eliminados. Mas pelo menos poderíamos ter visto o presidente [da Câmara] ser forçado a comer um testículo de canguru".
"É por isso que vamos sair da UE em 31 de outubro, de qualquer maneira", disse Johnson, alertando seus colegas europeus de que o Reino Unido "estava pronto" para sair sem acordo.
E, no entanto, um projeto de lei aprovado pelo Parlamento no mês passado exige que Johnson busque uma prorrogação de três meses para o Brexit, a menos que um acordo seja fechado até 19 de outubro. Johnson disse que o Reino Unido deixará o bloco no prazo, 31 de outubro, e que ele obedecerá à lei, levando muitos a se perguntar se ele está buscando uma brecha.