O governo brasileiro defendeu ontem a constitucionalidade do adiamento da posse do presidente Hugo Chávez, prevista para quinta-feira, devido ao estado grave de saúde do mandatário.
Segundo o assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, como o presidente foi reeleito, "não há um processo de descontinuidade" se ele não tomar posse formalmente no dia 10.
"Não é que um novo presidente foi eleito e, portanto, vai se estender o mandato do antigo. É o mesmo presidente que está sucedendo a si próprio, tem um prazo prudencial. Essas coisas têm que ser examinadas em função da cultura política e das instituições que são diferentes da nossa", disse Garcia, que esteve recentemente em Cuba, onde o venezuelano se recupera de um câncer.
A Constituição venezuelana prevê, no artigo 231, que a posse do novo presidente deve ocorrer em 10 de janeiro.
Se houver "ausência permanente" que impossibilite a posse, o presidente da Assembleia (no caso, o chavista Diosdado Cabello) assume e chama eleição em 30 dias.
Garcia, assim, corrobora ao plano chavista de adiar a posse à espera da melhora no estado de saúde do presidente.
Com uma diferença: os chavistas falam em adiamento indefinido, e Garcia defendeu que a postergação seja por 180 dias, com o vice, Nicolás Maduro, mantendo-se como presidente de fato.
Esse é o prazo de uma "ausência temporária" do presidente prevista na Constituição, mas que não se aplica a presidente não empossado. No governo brasileiro, a avaliação é de que nova eleição garantiria vitória chavista.
Já a demora no processo pode dificultar a continuidade do grupo no poder, devido a disputas internas.
A pedido da presidente Dilma Rousseff, Garcia interrompeu as férias com a família para acompanhar o caso. Ele esteve em Cuba nos dias 31 de dezembro e 1º de janeiro, e reuniu-se com o ditador cubano, Raúl Castro, seu irmão Fidel e o vice Maduro.
Não encontrou-se com Chávez, que, segundo ele, estava em "situação grave", "ainda que consciente".
Cúpula chavista fará cerimônia de "não posse" na quinta-feira
A cúpula do chavismo fará na quinta-feira uma inusitada cerimônia de "não posse" do presidente Hugo Chávez. Com insuficiência respiratória após cirurgia oncológica em Cuba, está praticamente descartado, ainda que não oficialmente, que Chávez viaje para a solenidade de posse marcada para 10 de janeiro.
"Toda a Venezuela vai vir para cá, para a frente do palácio Miraflores [sede da Presidência]. Todo o povo apoiando nosso presidente de maneira contundente. O povo nas ruas", disse Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Nacional.
Cabello disse ainda que "vários presidentes" da região e primeiros-ministros viajarão a Caracas para a celebração em "solidariedade" a Chávez. Na noite de quinta, anunciou, haverá um concerto da renomada Orquestra Juvenil Simón Bolívar. O Uruguai confirmou à agência AFP que o presidente José Mujica planeja ir à Venezuela.
Igreja
Ontem, o presidente da Conferência Episcopal da Venezuela, Diego Padrón, fez a declaração mais contundente até agora sobre o tema.
Padrón chamou de "moralmente inaceitável" a proposta do governo.
"Não é propósito desta assembleia intervir publicamente na interpretação da Constituição, mas neste caso está em jogo o bem comum do país e a defesa da ética. Alterar a interpretação da Constituição para alcançar um objetivo político é moralmente inaceitável", disse.
A cúpula católica, religião nominal de mais de 90% dos venezuelanos, tem relação tensa com o governo.