Homem faz uma pausa enquanto reconstrói sua casa, destruída pelo ciclone Idai, em Beira, Moçambique | Foto: Yasuyoshi CHIBA/AFP| Foto:

O cheiro da morte pairava no ar perto do rio.

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Stephen Fonseca olhou para um galho de árvore a 10 metros acima da água infestada de crocodilos e viu a fonte do mau cheiro – um corpo em decomposição, pendurado de cabeça para baixo, com os braços estendidos.

Fonseca, o analista forense chefe do Comitê Internacional da Cruz Vermelha na África, não tinha certeza se o corpo era de homem ou mulher, adulto ou criança. Mas ficou claro que ele estava preso na árvore desta pequena aldeia agrícola há quase duas semanas pela torrente de água liberada pelo ciclone Idai.

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Chuvas da tempestade enxeram rios que transbordaram e subiram implacavelmente, transformando-se em tsunamis que corriam em direção ao mar, com quilômetros de largura e em um nível mais alto do que qualquer prédio em seus caminhos.

O trabalho de recuperação de corpos nesta vasta área está apenas começando, e o processo é cercado por obstáculos aparentemente intransponíveis: inúmeras pessoas não foram apenas mortas, mas também levadas a grandes distâncias de suas casas, onde vieram a morrer em campos ou árvores, ou foram devorados por crocodilos. E muitos dos mortos foram enterrados pelos aldeões, sem serem identificados primeiro.

Estima-se que a inundação tenha afetado quase 2 milhões de pessoas em Moçambique, onde o número oficial de mortos é de 468. Em toda a região atingida a contagem de corpos já passa de 700, mas o número real de vítimas fatais do Ciclone Idai pode nunca ser conhecido.

Fonseca é essencialmente uma operação de um homem. Ele é o único especialista em recuperação de corpos trabalhando na área rural de Moçambique, no rescaldo do ciclone. Ele foi para Magaro porque os relatórios locais indicavam uma alta contagem de corpos nas proximidades – 156 até agora, principalmente nos campos de milho lamacentos, parcialmente cobertos por detritos.

A água ainda está recuando, duas semanas depois da tempestade, e agora a destruição está em toda parte. As linhas de energia foram cortadas e os campos estão cobertos com camadas profundas de lodo. A altura da inundação pode ser medida pela linha de lama nas copas das árvores.

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Em imagens: A destruição deixada pelo ciclone Idai no sul da África

Áreas mais próximas da costa ainda estão submersas, o que significa que os esforços podem demorar por semanas, quando os corpos serão quase totalmente decompostos.

Olhando para o corpo na árvore, Fonseca lamentou que não seria capaz de recuperá-lo, muito menos identificá-lo.

"Eventualmente, ele vai se separar e cair assim que os ligamentos se soltarem", disse ele. "Mas não há como buscá-lo sem que alguém se machuque ou caia nos crocodilos."

Nenhum dos corpos encontrados em Magaro e nas áreas vizinhas havia sido relatado às autoridades nacionais – não há coordenação central. E todos, menos um, o irrecuperável corpo na árvore, já haviam sido enterrados, muitos em tradicionais caixões de bambu feitos em casa.

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"É um dilema", disse Fonseca. "Não podemos exumar os corpos, porque essas comunidades se esforçaram tanto para fazer um enterro digno. Mas isso significa que também não podemos identificar os corpos e tentar entregá-los com as famílias que os estão procurando. É uma questão de mostrar respeito em relação a dezenas, centenas, talvez milhares de famílias que nunca saberão ao certo se o ente querido está morto".

Brasil enviará ajuda

Bombeiros que trabalharam no resgate de vítimas e corpos da tragédia de Brumadinho, na região metropolitana de Minas Gerais, vão atuar no socorro às vítimas do ciclone Idai em Moçambique. De acordo com o Itamaraty, serão enviados dois aviões ao país africano em caráter de cooperação humanitária.

A assistência brasileira a Moçambique reunirá equipes de resgate e salvamento da Força Nacional do Ministério da Justiça e Segurança Pública, incluindo 20 especialistas em busca e salvamento, botes e outros equipamentos adaptados ao tipo de desastre ocorrido no país. Também segue para Moçambique uma equipe do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Minas Gerais, formada por mais 20 especialistas, além dos equipamentos necessários, inclusive veículos.

Saiba também: Fortes chuvas causadas por ciclone dificultam resgates em Moçambique

Serão enviados também kits de medicamentos e insumos básicos de saúde capazes de prover assistência emergencial para 9 mil pessoas por até um mês.

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O primeiro envio da ajuda humanitária será transportado para a cidade de Beira, uma das mais atingidas pelo ciclone, nesta sexta-feira (29), com previsão de chegada no sábado.

Surto de cólera

As autoridades de Moçambique informaram que há um surto de cólera em Beira, resultado da destruição deixada pelo ciclone Idai. Até agora, cinco casos foram confirmados em um bairro pobre da cidade.

Há receio de que haja um surto de cólera e outras doenças devido às condições precárias em que se encontraram milhares de pessoas. Em Beira, pelo menos 50 mil pessoas estão sofrendo para encontrar água limpa após duas semanas do desastre.

"Fizemos os testes de laboratório e podemos confirmar que essas cinco pessoas deram positivo para cólera", disse Ussene Isse, diretor nacional de assistência médica de Moçambique. "Vai se espalhar. Quando você tem um caso, você tem que esperar mais casos na comunidade".

Ainda neste fim de semana, a Organização Mundial de Saúde (OMS) enviará 900 mil doses de vacina contra a cólera para as áreas afetadas.

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