A atitude que o Brasil adotou no conflito nuclear entre Irã e potências ocidentais foi enfática, com direito a viagem ao país persa e 17 horas de negociações, até a assinatura de um acordo em conjunto com a Turquia, em maio. O evento mostrou ao mundo que o país tem ambições no tabuleiro internacional. Regionalmente, porém, o Brasil não tem interesse em se envolver em questões alheias, considerando-as quase como se fossem "briga de vizinho". Essa é a avaliação do embaixador Hermano Telles Ribeiro, que atua na preparação de documentos para visitas de líderes estrangeiros ao Brasil e brasileiros ao exterior. Ele esteve em Curitiba na semana passada para palestra a convite da Casa Latino-Americana e falou à Gazeta do Povo:
Qual o saldo da diplomacia brasileira no governo Lula?
O Brasil mudou sua presença no mundo em diferentes tabuleiros diplomáticos. Hoje é um ator global, e isso em questões de meio ambiente, desarmamento e não proliferação, temas econômicos e financeiros... Por exemplo, estivemos na gênese do G20 comercial. O que ainda não se alcançou?
Temos que evoluir na governança global. O mundo está desenhado de forma inadequada, desatualizada. As Nações Unidas são muito representativas enquanto Assembleia Geral, mas o Conselho de Segurança não representa mais o mundo. É preciso que haja uma expansão para que ele represente de forma mais coerente realidades como os Bric (Brasil, Rússia, Índia e China).
Existe uma perspectiva de isso ocorrer logo?
É algo que está há mais de 20 anos sobre a mesa, é difícil prever. A resistência ainda é grande. Mas não ao Brasil, e, sim, a outras candidaturas, como a japonesa, que enfrenta resistência forte da China. Temos que continuar trabalhando para que outros países estejam mais representados, e o Brasil tem as credenciais para atuar de forma mais incisiva: não somos um país fortemente armado, nem com graves problemas de direitos humanos no sentido político, e com uma democracia cada vez mais pujante.
Outro grande destaque da diplomacia brasileira neste governo foi a mediação do conflito nuclear do Irã com o Ocidente. E houve o retorno à beligerância. O saldo foi positivo ou negativo?
O ministro [de Relações Exteriores Celso Amorim] foi questionado na Câmara pelo fato de o Irã ficar a 11 mil quilômetros, ser um pais problemático, será que o Brasil precisava estar nesse tabuleiro? A resposta vai na direção da responsabilidade que o país assume quando se candidata a membro não permanente do Conselho de Segurança fomos eleitos pela décima vez, o país que mais participou além do Japão. Com essa presença vem responsabilidade.
O que deu errado?
Reconhecemos os problemas que existem no Irã sabemos que é um país complexo, não é uma democracia no sentido Ocidental. Mas consultamos algumas potências para saber se a fórmula que estávamos propondo seria aceitável. Inclusive o [presidente americano Barack] Obama mandou carta dizendo que nesses termos daria para jogar o jogo.
E mudaram de ideia?
A percepção que a gente tem é que eles não acreditavam que se chegaria a esse ponto. Não acreditavam que Brasil e Turquia fossem dar esse passo que é pequeno, não estamos resolvendo a questão nuclear maior. E quando conseguimos a declaração, eles mudaram a baliza mudaram o gol de lugar, como disse o jornalista americano Roger Cohen. Houve uma mudança no comportamento. Para não dizer tirada de tapete.
Existia também um interesse do Brasil de ocupar espaço na arena internacional?
Sim, esse interesse sempre há, inclusive de ter relações com um país muito importante. O Irã é uma civilização milenar, decisivo naquele contexto regional. Havia interesse e ainda há de se trazê-lo para o diálogo e também de manter a parceria comercial.
Colocando-se como aliados do Irã, houve preocupação em se afastar das outras potências?
Não nos colocamos como aliados do Irã, era mais uma coisa em favor da paz. Nossa visão era evitar o caminho das sanções. Isso não foi possível, a tal ponto que, após o acordo, imediatamente foi anunciada a intenção de aprovar novas sanções.
E daqui para a frente?
Ainda não temos uma reação muito clara se o Irã dará o passo que tinha combinado ou se em função da resolução vai desautorizar a declaração.
Como responde a críticas de que o Brasil foi ingênuo e passou vergonha?
Nem foi ingênuo nem passou vergonha. O que se conseguiu foi dar um passo que nenhum outro país tinha dado. Não tem como entrar em um jogo e não sofrer algumas contusões. O jogo é complexo, mas acho que a declaração vai entrar para a história como passo importante de nações em desenvolvimento.
E na região, não houve omissão do Brasil em casos de conflito diplomático entre países vizinhos, como Colômbia contra Venezuela e Equador, ou no conflito pela instalação da papeleira entre Uruguai e Argentina?
Atuamos quando somos chamados a atuar, não é propriamente uma questão de liderança. Sempre que chamados, vamos atuar, como fizemos em questões como o resgate de reféns na Colômbia. Já a questão entre Colômbia e Venezuela precisa ser equacionada entre os dois.
Seria do desejo do Brasil ser mais solicitado?
É um julgamento difícil de se fazer. Não vejo que haja ambição de liderar, resolver questões alheias, mesmo porque às vezes se dois parceiros não resolvem algo bilateralmente, será muito difícil que uma terceira parte traga a solução. Precisa ter vontade política.
E quanto a críticas contra atentados à democracia e direitos humanos na Venezuela, o Brasil poderia ter posicionamento mais firme?
Não. As democracias são muito diferenciadas conforme a cultura do país. Na Venezuela, já perdi a conta de quantos referendos e eleições o presidente Chávez venceu. Essa questão de direitos humanos na jurisdição doméstica é muito delicada porque pode-se criar um efeito indesejado. Seria um país de fora emitindo juízo num país que é uma democracia. Agora, em questões como liberdade de imprensa... não há fórmulas num tamanho que todo mundo vista, "o tailleurzinho da democracia". Mas há lugares para se discutir essas coisas, como o Conselho de Direitos Humanos.
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