Relato
"Viemos para o Brasil procurar melhores oportunidades"
Paraguai e Brasil começam a se misturar no cotidiano da família de Maria Elena Galeano. Os desenhos da filha caçula Nádia, colados na porta, fazem referência ao universo juvenil paraguaio. A expressão suce, pontuada em sua fala, ao brasileiro. O café nacional é a oferta de boas-vindas aos visitantes. O tereré paraguaio, o assunto inicial da conversa.
Há dois anos, esta família paraguaia iniciou uma lenta e episódica migração rumo ao Brasil. A filha mais velha, Vânia, foi convidada pela Universidade Federal do Paraná para lapidar o talento vocal em um curso de música.
Em agosto de 2008, o saxofonista Oscar resolveu então se juntar à afilhada no Brasil. Quatro meses depois, Maria Elena abandonou o emprego de professora universitária e cruzou a Ponte da Amizade com as outras duas filhas, reunificando a família em Curitiba. "A situação de emprego no Paraguai está muito difícil", afirma Maria Elena. "Então viemos para cá procurar melhores oportunidades e tentar melhorar de vida".
Antes de serem beneficiados pela Anistia, a falta de regularização foi o maior problema nos primeiros meses de Brasil. Oscar e Maria Elena não puderam arrumar emprego. A música de Oscar ficou restrita às confraternizações com amigos. "Os donos de restaurante não [me] contratavam. E eu também não podia trabalhar sossegado. Estava sempre com medo que a Polícia Federal me descobrisse", relembra ele. "Durante todo este tempo, nos mantivemos com a bolsa de estudos de Vânia e um auxílio que parentes nos enviaram do Paraguai", Maria Elena revela.
Ao serem informados pelo consulado paraguaio sobre a lei de Anistia aos imigrantes, procuraram imediatamente a Polícia Federal. "Após 45 dias já estava com o meu visto provisório", diz Oscar.
Maria Elena e a caçula Nádia ainda aguardam. Ao voltarem ao Paraguai em fevereiro para buscar objetos pessoais, extrapolaram a data-limite para a última entrada no Brasil definida pela lei.
"Mas já nos tranquilizaram, dizendo que tudo vai dar certo", afirma Elena, que faz um mea-culpa: "Deveria ter procurado a legalização antes. O Brasil dá muitas oportunidades, mas os imigrantes tem medo de ser maltratados, então acabam deixando para lá".
O Brasil está de portas, portos e aeroportos abertos à imigração. Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) revelam que o fluxo de imigrantes para o país deve aumentar a partir de 2010. Segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2009, divulgado na última segunda-feira pela ONU, o Brasil está próximo de reverter uma tendência histórica. No ano que vem, o país terá o primeiro aumento no número absoluto de imigrantes desde 1960.Elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o relatório traça um painel dos movimentos migratórios no mundo. Segundo a pesquisa, em 2005 existiam 686 mil imigrantes no Brasil, na época representando 0,4% da população. Até o próximo ano, este número terá um pequeno acréscimo de 2 mil estrangeiros. Esses novos egressos serão responsáveis por manter estável o porcentual de imigrantes entre a população brasileira.A tênue mudança na curva coincidiu com o momento em que o Brasil passou a ser considerado pela ONU um país com alto Índice de Desenvolvimento Humano. O país passou a ser parte de um padrão identificado pelo estudo: nações com crescimento econômico e social se tornam destino de pessoas que desejam não apenas salários maiores, mas também melhor qualidade de vida.
Para Flávio Comim, economista do Pnud, os dados sobre imigração para o Brasil são reflexo de mudanças internas. "A queda no número de imigrantes nas décadas anteriores foram ocasionadas por problemas econômicos, como a hiperinflação, e também políticos, como a ditadura militar. Ninguém queria vir para cá", analisa. "À medida que o Brasil vai melhorando seu IDH, vai ocorrendo um crescimento no aporte de imigrantes, principalmente os oriundos de outros países da América Latina".
Porém Comim descarta, ao menos por enquanto, definir o Brasil como o principal centro de imigração no subcontinente. "Em outros países da América Latina, como Argentina e Chile, o porcentual de imigrantes entre a população total é maior. Só a Argentina tem 1,5 milhão deles. Os números estão relacionados ao IDH; Argentina e Chile têm desenvolvimento humano superior ao Brasil, portanto são mais procurados como destino", relaciona.
Recepção
Aliado a uma possível melhoria nas condições de vida, o migrante internacional encontra no Brasil uma legislação inclusiva. Enquanto Europa e Estados Unidos criam diversas amarras legais à entrada e permanência de estrangeiros, o governo brasileiro pratica a política da boa vizinhança, relaxando a burocracia e aceitando praticamente todos os pedidos de visto.
Apesar disso, ainda há 50 mil estrangeiros em situação irregular no Brasil, segundo estimativa da Polícia Federal. Sem o cadastro, esses imigrantes estão legalmente desprotegidos e se tornam suscetíveis à exploração em empregos que beiram a escravidão.
Para tentar resolver este problema, foi sancionada em julho uma lei que oferece anistia ampla, geral e irrestrita a todos os estrangeiros que entraram no país até fevereiro deste ano. Após sancioná-la, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva definiu o ato como "uma lição ao mundo desenvolvido".
O secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Júnior, afirma por meio de sua assessoria de imprensa que "a política para imigração no Brasil é humanitária, e a migração irregular não pode ser confundida com criminalidade. O Brasil está de portas abertas a todos que queiram aqui viver".
Segundo Tuma Júnior, "o Brasil não está estimulando a vinda de pessoas de outros países, porém não vai criar nenhum empecilho. A imigração é importante, pois oxigena o país com a entrada de novos trabalhadores, que vêm colaborar com o país não só em funções braçais, mas também em especialidades".
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