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Hoje as duas Irlandas compartilham legislações e instituições em várias áreas | Flickr/Tiocfaidh ár lá 1916
Hoje as duas Irlandas compartilham legislações e instituições em várias áreas| Foto: Flickr/Tiocfaidh ár lá 1916

Faltando pouco menos de cinco meses para a formalização do Brexit, o processo de retirada do Reino Unido da União Europeia, a preocupação toma conta da Irlanda do Norte, um território de 14,1 mil quilômetros quadrados e 1,8 milhão de pessoas, que votou favoravelmente à permanência no bloco econômico, e que pode ver uma “barreira” ser erguida nos 499 km de fronteira que a dividem da República da Irlanda. 

A fronteira entre os dois territórios é imperceptível. Quem percorre os 166 km das rodovias M1 e A1 que ligam as capitais Dublin, na Irlanda, a Belfast, na Irlanda do Norte, só terá uma vaga ideia de onde ela passa. O Acordo da Sexta-Feira Santa, assinado em 1998 e que pôs fim ao secular conflito entre protestantes (unionistas, que defendem a união com o Reino Unido) e os católicos (republicanos, que queriam a unificação com a Irlanda) acabou com os postos de controle das 275 travessias existentes na região. E hoje, as duas Irlandas compartilham legislações e instituições em várias áreas. 

O medo da volta do conflito 

A principal preocupação é de que, com a dificuldade em se obter um acordo, as fronteiras físicas sejam retomadas e isso sirva de estopim para a retomada de um conflito que durou quase 30 anos, a partir de 1969, e que resultou em mais de 3,5 mil mortes e 47,5 mil feridos. “O Brexit pode representar uma ameaça ao processo de paz na Irlanda do Norte”, destaca David Mitchell, professor assistente de Reconciliação e Resolução de Conflitos do Trinity College Dublin em Belfast (Irlanda do Norte). 

O medo é de que se crie uma ‘fronteira rígida’ entre os dois territórios, com aduanas e controles de segurança. Ele lembra que a fronteira aberta e invisível contribuiu para a paz e a estabilidade na ilha, e tem sido importante especialmente para os nacionalistas irlandeses que moram na Irlanda do Norte e para aqueles que têm fortes vínculos com a República da Irlanda.

Mitchell destaca que se os postos de fronteira voltarem a ser realidade, eles poderiam ser alvos fáceis de paramilitares republicanos dissidentes que se opuseram ao processo de paz e querem a unificação da Irlanda. 

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Outra ameaça que o Brexit traz, de acordo com Mitchell, é em relação à estabilidade da opinião pública na Irlanda do Norte. “Muitos nacionalistas no Norte tem estado felizes com a situação desde 1998. Entretanto, a maioria deles apoia a União Europeia. Assim, o Brexit poderia fazer com que eles voltassem a querer uma Irlanda Unida – o que permitiria que eles permanecessem no bloco – mais cedo do que nunca. 

O acordo de 1998, também conhecido como Acordo de Belfast, estabelece que se a maioria na Irlanda do Norte votar pela unificação das Irlandas, isto teria de acontecer. “Isto pode ser uma situação extremamente perigosa, uma vez que os unionistas seriam extremamente contrários a isto.” 

Outra ameaça é econômica. Nikos Skoutaris, da University of East Anglia (Reino Unido), destaca que a criação de uma fronteira aduaneira na região, será uma ameaça importante para a ilha da Irlanda como uma área econômica única. Baseada em uma política de baixos impostos para as empresas, o país vem crescendo em um ritmo forte. No ano passado, segundo o FMI, o PIB aumentou 7,2%. E para os próximos dois anos, a expectativa é de um crescimento superior a 4% ao ano. 

Bloco contribuiu para a pacificação 

Apesar de o acordo da Sexta-Feira Santa não ter feito muitas referências à União Europeia, o fato de o Reino Unido fazer parte do bloco na época facilitou a pacificação. “O intercâmbio de soberania dentro da União Europeia se estendeu a um certo intercâmbio de soberania sobre a Irlanda do Norte”, diz Skoutaris. 

“Ele se baseou no pressuposto de políticas e interesses comuns em uma ampla gama de temas que os membros da UE – tanto o Reino Unido quanto a Irlanda – tinham assegurado. Neste sentido, o Brexit põe o acordo em risco de formar profundas fissuras”. 

As sugestões da UE 

A questão fronteiriça é um tema central nas conversas que envolvem a primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, com a União Europeia. Na segunda-feira, ela disse que o acordo sobre o Brexit estava 95% concluído. “Os 5% restantes são a questão da fronteira. Portanto, ainda poderia impedir todo o acordo, porque não existe um sem que tudo esteja definido”, diz Mitchell, do Trinity College Dublin.

 Uma das sugestões europeias é a de manter a Irlanda da Norte (parte do Reino Unido) sob a jurisdição comercial do bloco, ao menos provisoriamente, para evitar a realização de controles de mercadorias na fronteira com a República da Irlanda (que integra a UE), no sul da ilha. “Uma fronteira rígida também criaria uma barreira psicológica na cabeça dos irlandeses”, afirma o professor. 

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Outra hipótese, defendida pela União Europeia, é o estabelecimento de um acordo simples de livre-comércio com a Grã-Bretanha (Inglaterra, Escócia e País de Gales), enquanto a Irlanda do Norte permaneceria na união alfandegária do continente. Esta proposta agrada também à Irlanda, pois preservaria a integridade do mercado comum europeu.

O modelo que se desenha até agora é de uma saída não negociada do Reino Unido da União Europeia. E isto, segundo muitos especialistas, é incompatível com a manutenção de uma fronteira aberta entre as Irlandas. 

Neste caso, de acordo com Skoutaris, o marco regulador da União Europeia já não proporcionará o paradigma de compartilhamento de poder entre as duas comunidades que formam a Irlanda do Norte. “Um perigo em particular é que a parte nacionalista, irlandesa, republicana e católica da população não acolherá com satisfação o fortalecimento das noções de soberania mais centradas no Reino Unido”. 

O Reino Unido em um dilema 

Segundo Skoutaris, o Reino Unido se encontra em meio a um dilema, já que se comprometeu com o Acordo da Sexta-feira Santa e manter aberta a fronteira entre as Irlandas. “Ou tem que optar por uma relação muito mais estreita com a União Europeia ou terá que aceitar alguma diferenciação para a Irlanda do Norte.” 

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Mitchell vai além: “Os britânicos e os europeus estão comprometidos em evitar a existência de uma fronteira rígida na ilha, mas os britânicos estão buscando uma forma mais dura para o Brexit, cortando todos os laços com o bloco. Assim, o governo britânico não tem sido capaz de resolver o problema na fronteira irlandesa”. 

Ele destaca que o principal desafio na mesa de negociações é em relação a uma Irlanda do Norte interdependente. “O Brexit impede o intercâmbio de soberania na região já que o Reino Unido e, por extensão, a Irlanda do Norte, já não farão parte da União Europeia. Ele afirma que esta situação mudará o equilíbrio de poder entre a Irlanda e o Reino Unido”.  

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