O mundo foi pego de surpresa. Até a noite de quinta-feira (23) parecia improvável que o Reino Unido fosse de fato deixar a União Europeia (UE), o bloco que une 28 nações do Velho Continente. Mesmo os mercados financeiros, que operam no presente sempre com os olhos voltados para o amanhã, haviam se acalmado e davam como pequena a chance da ruptura, apelidada de “Brexit”. Mas a semana terminou com o implausível se tornando irreversível: os britânicos insatisfeitos com o excesso regulatório e burocrático da UE não eram, afinal de contas, apenas uma minoria ranzinza. Formavam uma legião de no mínimo 17,4 milhões de eleitores que ignorou alertas de economistas e do seu próprio governo para votar em plebiscito pela saída do bloco.
A decisão lança uma forte neblina sobre o futuro político e econômico do Reino Unido, da Europa e do mundo integrado e globalizado. São muitas dúvidas e uma certeza: é preciso trabalhar rápido para amenizar os efeitos mais dramáticos da mudança. O tombo da libra para o patamar mais baixo dos últimos 30 anos, em apenas um dia, foi um aperitivo das consequências negativas a serem contidas. Recessão, desemprego e austeridade severa estão no horizonte da terra da rainha.
Separatistas escoceses
O Partido Nacional Escocês, que está no governo da Escócia, pediu aos escoceses que votassem contra a saída. Ainda assim, a líder Nicola Sturgeon disse que um voto pela saída do Reino Unido, presumindo que a Escócia seguisse o caminho oposto (como de fato ocorreu), poderia sustentar um novo referendo pela independência escocesa, dois anos após o fracasso do referendo anterior.
Os problemas econômicos têm terreno fértil no restante do mundo, ainda fragilizado pela crise financeira global da década passada. Mas, para além dessa esfera, o “Brexit” representa um duro golpe na UE. França e Holanda são dois países em que a direita ultranacionalista, que reúne os chamados eurocéticos, protecionistas e isolacionistas, deve fortalecer o seu discurso. Na Grécia e na Itália, é a esquerda populista que tende a embarcar na onda, aproveitando o ressentimento gerado pela debilidade econômica e pelo imenso fluxo de imigrantes que recebem continuamente.
Imigração, aliás, foi o tema nevrálgico que fez a balança pender para aqueles que defendiam a saída do bloco, por mais que a campanha pelo Brexit enfatizasse também o cansaço com a ajuda financeira aos países mais fracos e colocasse em xeque a representatividade dos burocratas em Bruxelas, a capital da UE.
Na prática, o que acontece? Nada de imediato. No plebiscito, o povo britânico apenas optou pela saída da UE. Os termos e a velocidade em que isso ocorrerá dependem de negociações que podem levar meses ou anos – ninguém sabe ao certo quanto tempo, uma vez que o único precedente é da Groenlândia. A ilha de apenas 50 mil habitantes decidiu deixar o bloco europeu em 1982.
Saída norueguesa
O artigo 50 do Tratado de Lisboa estabelece um prazo de dois anos para que as condições de saída sejam acertadas. Além disso, determina que os termos sejam votados somente pelos outros 27 países-membros, sem voz ativa dos britânicos. Uma opção seria a saída parcial, que deixasse o Reino Unido numa situação análoga à da Noruega, que é parte da Área Econômica Europeia, mas não da União Europeia – preservando o fluxo de pessoas e contribuindo com o orçamento europeu.
Enquanto essas tratativas não começam, tudo permanece como está, tanto para os estrangeiros que residem e atuam na Grã-Bretanha como para os britânicos que estão no restante da Europa.
Pressa
O primeiro-ministro britânico David Cameron anunciou que irá renunciar e que seu sucessor – a ser eleito antes do congresso do Partido Conservador, em outubro – será o responsável por iniciar a saída do bloco. Mesmo o ex-prefeito de Londres Boris Johnson, um dos principais líderes do movimento pelo “Brexit”, declarou que “não há pressa” para pôr o processo em andamento. Bruxelas pensa diferente. O presidente do Parlamento Europeu, o alemão Martin Schulz, disse que estuda como acelerar a prática das disposições do artigo 50. O objetivo é abreviar o período de incertezas, deletério para todo o continente.
Para a UE, o processo de integração de mercados e decisões políticas, que já estava estacionado, deu um passo atrás. O bloco, erguido sobre valores liberais e de soberania compartilhada, fica estremecido e surgem dúvidas a respeito de sua direção e coesão. A retomada econômica e a resolução de impasses como o da Ucrânia tornam-se ainda mais necessários para devolver alguma estabilidade ao continente mais rico do planeta. Mas o custo político da saída do Reino Unido, esse será difícil de saldar no curto prazo.
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