Washington O clima de incerteza e turbulência causado pelo anúncio da nacionalização dos hidrocarbonetos da Bolívia há três semanas não assusta o cientista político Francisco González, um mexicano especialista em América Latina, que estudou em Oxford e hoje é professor da Universidade Johns Hopkins uma das mais conceituadas dos Estados Unidos na área de Relações Internacionais. Em entrevista à Gazeta do Povo na sede da universidade, em Washington, ele falou que a bandeira da nacionalização levantada por Evo Morales é uma manobra política e que o país deve voltar a negociar de maneira conciliatória com seus parceiros internacionais.
O que motivou o presidente da Bolívia, Evo Morales, a decretar a nacionalização dos hidrocarbonetos?Há duas razões para que Evo Morales tenha decidido tomar esse caminho radical. Primeiro, a campanha eleitoral para a Assembléia Constituinte, com eleição marcada para 2 de julho. Se realmente Morales está tentando seguir o caminho de Hugo Chávez, ele sabe que precisa de pelo menos 2/3 dos integrantes da assembléia para poder reescrever a Constituição à sua maneira. O segundo é a pressão popular para que o presidente cumpra as promessas de campanha. O presidente venezuelano, Hugo Chávez, está por trás da decisão de Evo Morales?Chávez certamente tem aconselhado Morales e mostrado o exemplo da Venezuela, que era um país falido em 1998 e, nos últimos três anos, tem registrado o maior crescimento do PIB na região ao lado da Argentina. Mas uma coisa é prometer ajuda, a outra é realmente ter a capacidade de ajudar. A Venezuela também tem seus limites.
A Bolívia tentou nacionalizar os hidrocarbonetos em 1937 e 1969 e não deu certo. Por que seria diferente desta vez?A nacionalização de 1937 fracassou porque, depois da 2.ª Guerra Mundial, houve um grande movimento para a democratização, um acolhimento de investimentos estrangeiros, e a Bolívia precisava muito disso. Na década de 60, em meio à Guerra Fria, havia muita pressão contra a nacionalização. Agora, se a demanda por petróleo e gás natural continuar a crescer e o fornecimento permanecer limitado, é possível que a estratégia dê certo.
A proposta de nacionalização determina que o Estado detenha o controle e a direção da produção, transporte, refinamento, distribuição, comercialização e industrialização dos hidrocarbonetos em todo o país. A Bolívia vai dar conta disso?Não. O país precisa da cooperação dos investidores estrangeiros, principalmente, das duas maiores empresas: Petrobrás e Repsol YPF (Espanha/Argentina). Por esse motivo, a Bolívia deve tentar negociar com essas empresas.
O que o senhor acha da posição do presidente Lula diante dessa crise?Eu não acho que Lula foi muito brando. Ele também está jogando. Energia é um negócio de longo prazo. Não faz sentido entrar em pânico agora, pois ainda há muito espaço para manobra.
A situação deve mudar com o fim do período eleitoral?Sim, a severa lógica de mercado vai prevalecer. A Bolívia continuará precisando ganhar dinheiro a curto prazo e o país só tem duas áreas que garantem isso: energia e agricultura as duas muito ligadas ao Brasil. Dentro de um ano, a situação será diferente e a Bolívia precisará negociar com o Brasil de uma maneira mais conciliatória. É preferível manter as portas abertas com a Bolívia a isolar o país e jogá-lo totalmente nas mãos de Chávez e Fidel Castro.
O presidente Lula já não perdeu essa batalha para Chávez?Se você me perguntasse se eu queria estar no lugar de Lula ou de Chávez hoje, eu diria que preferia estar na pele de Lula. Ao confrontar todo mundo, Chávez está se isolando de 95% da comunidade internacional. Se isso é necessário para ser considerado um líder regional, então é melhor não ser um.
A reforma agrária deve ser um motivo de preocupação para os fazendeiros brasileiros?Os fazendeiros brasileiros são responsáveis pela plantação da segunda maior fonte de renda dos bolivianos, que é a soja. Evo Morales não pode perder isso. A Venezuela, por exemplo, poderia garantir o mercado para a soja, mas os produtores, os conhecedores da tecnologia, os donos dos financiamentos, esses são os brasileiros. E a Bolívia conta muito com eles.