Abandonados em barcos, membros de uma minoria muçulmana expulsa de Mianmar por monges radicais são personagens centrais de uma crise humanitária que põe à deriva o senso comum de que o budismo está sempre associado ao pacifismo. Milhares de homens, mulheres e crianças rohingyas teriam sido impelidos para o alto-mar e carregados por meses em barcos de pesca, com pouca água e comida, por extremistas budistas no país do Sudeste Asiático.
As imagens de náufragos da etnia rohingya não aceitos por países como Indonésia e Malásia põem em evidência recentes trabalhos acadêmicos que estudam a violência no budismo. Especialistas avaliam que, embora textos da religião preguem a não violência, a agressividade é frequente.
“Trata-se mais de propaganda que o budismo é relacionado ao pacifismo. A mídia ocidental e Hollywood têm nos alimentado de uma imagem tranquila, mas o budismo é tão propenso à corrupção como qualquer outra religião”, diz Sufian bin Uzayr, escritor especialista em assuntos religioso que vive na Índia.
Budistas brasileiros dizem que violência é contra a doutrina
Budistas brasileiros rechaçam a violência do grupo birmanês que persegue os muçulmanos da etnia rohingya. Adeptos de escolas predominantes em Sri Lanka e Mianmar, como a Sociedade Budista do Brasil, dizem discordar do radicalismo.
“Toda religião tem extremismos, mas, no caso do budismo, isso é totalmente contra a doutrina”, diz José Arlindo Bezerra, membro da sociedade. “Esses extremistas podem ser budistas de carteirinha, mas duvido que se sentem, pratiquem a meditação e revisem suas mentes”.
Consultor da Associação Brasil Soka Gakkai Internacional, ligada ao budismo japonês nitiren, Pedro Paulo da Silva afirma que em todas as ramificações da religião o ensinamento é de tolerância. “Casos como esse são manifestações da escuridão fundamental que todo ser humano tem”, afirma.
O monge Jyunsho Yoshikawa, do chamado budismo primordial, faz eco. “Isso que estão praticando não é budismo. O ensinamento da religião é que a iluminação é para todos, independentemente de religião, raça ou orientação sexual.“
Para Uzayr, a principal causa do atual embate é um discurso a favor de uma pretensa pureza racial. “Eles (extremistas de Mianmar) sequer chamam o rohingya de ‘rohingya’, mas de ’bengalês’, alegando que deveriam deixar Mianmar”, afirma. Outro problema, diz ele, são as fronteiras desenhadas pelos colonialistas britânicos — Arakan e Rakhine, que poderiam ser independentes, foram fundidos à Birmânia (antigo nome de Mianmar).
Uzayr acrescenta que o governo do país, em que os budistas chegam a 90% da população, legitimou a violência ao aprovar leis que proibiram membros da minoria de terem filhos sem permissão e lhes negaram o direito a educação e saúde.
Frank Usarski, professor de Ciências da Religião da PUC-SP, diz que é crescente o número de pesquisas sobre violência e budismo. “Esses estudos relativizam a imagem do budismo como ultrapacifista. A ideia principal é a não violência, mas a religião é praticada por seres humanos e já estamos três mil anos depois de Buda”, avalia.
Ele lembra a Guerra Civil do Sri Lanka, iniciada na década de 1980: ao reagir contra os Tigres Tâmeis, organização separatista, parte da maioria budista adotou o discurso da manutenção da autenticidade do budismo no país, atacando hindus e muçulmanos. A guerra terminou em 2009 e os separatistas perderam, mas os ataques de extremistas budistas continuam.
O caso cingalês pode ter influência no radicalismo de Mianmar. Usarski diz que motivações econômicas e sociais, além de um discurso global anti-Islã, são ingredientes centrais. Ele cita o Movimento 969, fundado pelo monge Ashin Wirathu, que se autointitula “Bin Laden birmanês”. “Religião alguma é totalmente pacifista. Há sempre tradições ambíguas dentro dos seus repertórios”.
Acordos com governo e oposição dão favoritismo a Alcolumbre e Motta nas eleições no Congresso
Lula abre espaço para Lira e Pacheco no governo e acelera reforma ministerial
Trump diz que “definitivamente” vai impor tarifas à União Europeia
A classe média que Marilena Chauí não odeia: visitamos a Casa Marx, em São Paulo