O estudante Cho Seung-Hiu, 23, autor do massacre que resultou na morte de 32 pessoas na Universidade de Tecnologia da Virgínia, nos Estados Unidos, foi vítima de bullying escolar. Segundo seus colegas disseram à rede NBC, ele era ridicularizado durante ensino médio por causa do excesso de timidez e "jeito esquisito de falar". Para os especialistas ouvidos pelo G1, a agressão moral sofrida por Seung-Hiu pode ser uma das explicações para o ataque. O estudante, que também apresentava transtornos psicológicos, se suicidou após o tiroteio.
A pedagoga Cleodelice Aparecida Zonato Fante, vice-presidente do Centro Multiprofissional de Estudos e Orientação sobre o Bullying Escolar (Cemeobes) brasileiro, explica que o bullying é um conjunto de comportamentos agressivos, intencionais e repetitivos que são adotados por um ou mais alunos contra outros colegas, sem motivação evidente. "A agressão moral, verbal e até corporal sofrida pelos alunos provoca dor, angústia e sofrimento na vítima da 'brincadeira', que pode entrar em depressão."
Estudos feitos pela pedagoga, entre 2000 e 2003, com dois mil estudantes de 5ª a 8ª séries do Brasil, mostram que 49% dos alunos estavam envolvidos com o bullying: 22% eram vítimas, 15% eram agressores e 12% eram vítimas agressoras.
"Essa é uma dinâmica escolar cada vez maior, que está virando uma epidemia porque o aluno que é vítima se transforma em agressor e reproduz a violência sofrida", explica Cleodelice. As vítimas geralmente são pessoas tímidas, com características físicas marcantes (usam óculos, são obesas, muito magras, ou têm orelha grande) e não costumam reagir às agressões sofridas. Caladas, preferem guardar a mágoa de maneira silenciosa. Já os agressores -a maioria do sexo masculino- gostam de mostrar poder e encontram nos mais tímidos o "alvo fácil" para chacotas.
José Augusto Pedra, psicólogo e presidente da Cemeobes, disse que a prática do bullying é mais comum do que as pessoas pensam. "Há casos como este que aconteceu na Vírginia. Mas há outros transtornos psicológicos que atingem as vítimas de bullying, que ficam deprimidas, com desejo de vingança. O que poucas pessoas sabem é que muitas vítimas de bullying acabam se suicidando em vez de atacar outras pessoas", afirmou.
Casos no Brasil
Segundo os especialistas, pelo menos dois casos de bullying escolar terminaram em morte no Brasil.
Um deles aconteceu em janeiro de 2003. Depois de completar o ensino médio, Edmar Aparecido Freitas, então com 18 anos, comprou um revólver calibre 38 e disparou contra cerca de 50 pessoas durante o horário de recreio da escola onde estudou, em Taiúva (a 363 Km de São Paulo). Atingiu sete delas e depois se matou com um tiro na cabeça. As vítimas sobreviveram.
"Este foi um típico caso de como o bullying escolar pode virar uma tragédia. Este adolescente era obeso e foi motivo de piada para os colegas de escola durante 11 anos. Mesmo quando ele perdeu 30 quilos continuaram zoando ele. Seu apelido era elefante cor-de-rosa. Ele comprou uma arma e resolveu se vingar. Uma das pessoas atingidas pelos disparos ficou paralítica. O caso é bem similar ao caso de Virgínia", afirmou Cleodelice.
A polícia de Taíuva não descobriu como Freitas adquiriu o revólver. Além da arma, ele carregava cerca de 80 balas e uma faca. De acordo com o escrivão de polícia Edson Dorati, que atuou no caso na época, o inquérito foi remetido à Justiça e arquivado.
Em 2004, um adolescente de 17 anos, de Remanso, na Bahia, também atirou contra um colega depois de ser ridicularizado na escola. Segundo o escrivão de polícia da cidade, José Melônio Heston, o agressor comprou um revólver calibre 38 dias antes do crime. Por volta das 19h30 do dia 4 de fevereiro, ele foi até a casa de um colega de 14 anos, que o provocava na escola, e o matou. "Não sei por que, mas ele [o atirador] sofria muita humilhação na escola. Era muito tímido e foi ficando 'escanteado', com depressão. O menino que ele matou já tinha até jogado lama nele", contou.
Após atirar contra o colega, o rapaz seguiu para uma escola de informática para tentar matar uma professora da qual não gostava. Ao ser impedido de entrar por outra funcionária, ele disparou contra a cabeça dela, que também morreu. Segundo Heston, um outro estudante desarmou o atirador e ele foi levado para a delegacia. "O objetivo dele era se matar, ele não parava de falar isso na delegacia, já tinha até deixado um bilhete com aquele símbolo do nazismo", relatou. Como o agressor era adolescente, foi encaminhado para cumprir medida sócio-educativa no município de Feira de Santana e, atualmente, está em liberdade assistida.
A pedagoga Cleodelice ressalta a importância de não se ignorar a prática de bullying. "As pessoas precisam entender que ninguém nasce intolerante, desequilibrado, com vontade de matar. Uma série de fatores leva a isso. As escolas e as famílias precisam se capacitar para aprender a diagnosticar os sintomas de bullying porque quanto mais cedo houver tratamento, maior a chance de a pessoa se curar", afirmou.
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