Berlim Günter Seyde, de 70 anos, voltou recentemente ao lugar onde nasceu, durante uma noite de chuva de bombas no dia 20 de abril de 1945: o bunker da Segunda Guerra Mundial que acaba de ser transformado no spa do hotel de luxo Titanic Chaussee Hotel, e deve ser inaugurado nos próximos dias.
Quase 71 anos depois da Segunda Guerra, os abrigos da era nazista foram transformados em imóveis de luxo, sejam eles apartamentos residenciais, museus ou hotéis.
Poucas cidades europeias têm uma rede tão densa de labirintos subterrâneos quanto a capital alemã. Muitos bunkers já existiam quando a guerra começou, em 1939, mas foi depois do início do conflito que Albert Speer, o “arquiteto de Hitler”, acelerou o programa de construção de novas fortalezas subterrâneas.
Um dos projetos de Speer é um bunker que fica na esquina das ruas Reinhardt com Albrecht, construído a partir de 1941 para abrigar altos funcionários do governo nazista. Trata-se de um hochbunker (bunker alto), com uma parte no subsolo e outra na superfície. Com paredes de 1,8 metro de espessura, o local oferecia proteção contra o ataque da artilharia usada na época.
Comprado pelo colecionador de arte Christian Boros, que instalou ali o seu museu de arte contemporânea, aberto ao público, e um apartamento de luxo de 470 metros quadrados, onde reside, o bunker de Speer preserva intencionalmente as marcas do passado: os buracos provocados pelos tiros da guerra.
Preços atingem milhões de euros
A história do imóvel de Boros é tão movimentada quanto o passado da cidade. Em 1945, o abrigo, que ficava na parte da cidade dominada pelos soviéticos, tornou-se prisão do Exército Vermelho, comunista. Depois de 1989, quando o muro caiu, o colosso de concreto de Speer passou a atrair milhares de jovens de toda a Europa como clube de música eletrônica.
Para Christian Sachse, da corretora Impro Nord NL, a demanda por apartamentos em bunkers da Segunda Guerra gerou uma corrida a esses imóveis. “Os investidores procuram arrematar os últimos ainda disponíveis, que são oferecidos no mercado pelo Departamento Federal de Imóveis, que administra os prédios pertencentes ao governo federal”, diz o corretor.
O governo federal é o herdeiro dos bunkers nazistas. Como não há interesse em arcar com os custos altos da manutenção, a política atual é de lançar esses imóveis no mercado.
Atualmente, a Impro Nord NL tem no seu portfólio uma série de bunkers no bairro de Neukölln, no Sul de Berlim. “Quem compra o terreno recebe o lugar histórico, o bunker da guerra, e a licença para construir na superfície um imóvel que integre o subsolo”, acrescenta Sachse.
Arquitetos e investidores disputam as últimas fortalezas da Segunda Guerra ainda disponíveis. E os preços explodem. Quem se candidata à compra do exclusivo imóvel precisa competir com outros interessados. No final, vence quem oferece o lance mais alto.
Há dez ou 15 anos, um abrigo de tamanho médio custava cerca de 100 mil euros. Hoje, só entra na concorrência quem tem a possibilidade de pagar alguns milhões. “O bunker é um imóvel exclusivo porque oferece o terreno ou o prédio que existe na superfície e o seu subsolo, carregado de História”, afirma Sachse.
Os de Berlim são os mais interessantes porque a cidade era o centro do poder nazista, mas em toda a Alemanha há fortalezas subterrâneas semelhantes que são transformadas em imóveis de luxo.
Como essas edificações quase sempre não tinham janelas, pois o objetivo era a proteção máxima contra o ataque dos exércitos inimigos, o maior desafio dos projetos é a abertura nas paredes, que são perfuradas por empresas específicas. Com a explosão dos preços, surge um verdadeiro boom de construtoras especializadas.
Abrigo de Hitler é tabu
Günter Seyde, advogado aposentado, lembra, porém, que para os berlinenses mais velhos a volta a um bunker é como reviver um trauma do passado. Seyde viu pela primeira vez a luz do dia duas semanas depois de nascer, quando Berlim já deixara de ser o centro do inimigo do mundo — Hitler já havia cometido suicídio, e a Alemanha nazista, assinado a capitulação.
Alemães que na época eram mais velhos conseguem se lembrar dos momentos de medo. Karl Deutmann escreveu num diário: “Foi um assassinato sob céu azul que em um único dia custou a vida de 18 mil a 20 mil pessoas (...) O centro de Berlim estava coberto por um mar de escombros. Blocos inteiros da rua haviam desaparecido.”
O labirinto subterrâneo é especialmente denso na Rua Chaussee, que, como toda a cidade de Berlim, foi alvo de toneladas de bombas despejadas pelos aliados no final da guerra. Muitos terrenos dessa região têm a sua parte secreta: um subsolo histórico.
Bem perto do Titanic Chaussee Hotel, o Serviço Secreto Alemão (BND) deverá inaugurar em breve a sua nova central. Em frente ao BND, o passado contrasta com a arquitetura futurista do americano Daniel Libeskind, que assinou o projeto do Museu Judaico e que em breve inicia com o Sapphire o seu primeiro imóvel residencial em Berlim.
“Devido ao seu passado e ao seu presente, Berlim é atualmente a cidade mais palpitante da Europa”, concluiu o famoso arquiteto judeu.
Perto do Museu Judaico, no bairro de Kreuzberg, o bunker Fichte abriga apartamentos exclusivos. Só o “bunker do Führer”, na Rua Wilhelm, onde Adolf Hitler e a cúpula nazista viveram os últimos dias do regime, continua tabu.
Para evitar que o lugar virasse uma espécie de “santuário de neonazistas”, a entrada foi fechada. No terreno, onde agora há um restaurante chinês e um estacionamento, uma placa lembra que ali terminou o pior capítulo da História do país.
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