Concepção artística de um buraco negro| Foto: /Nasa

Nas últimas semanas, astrônomos têm acompanhado o “despertar” de um buraco negro a quase 8 mil anos-luz de distância da Terra. Localizado na direção da constelação de Cygnus (Cisne), o objeto, chamado de V404 Cygni, não exibia tamanha atividade desde 1989.

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No último dia 15 de junho, o satélite Swift, da Nasa, detectou um súbito aumento nas emissões de raios gama na região do céu onde está o V404 Cygni. Do tipo conhecido como buraco negro estelar, o objeto, um “velho conhecido” dos astrônomos, é resultado do colapso gravitacional de uma estrela e parte de um sistema binário, isto é, é orbitado por outra estrela “normal”.

Neste tipo de sistema, o material da estrela flui em direção do buraco negro, se acumulando num chamado disco de acreção, onde é acelerado e aquecido, emitindo então radiação na forma de luz visível, ultravioleta, raios-X e gama antes de ser consumido e desaparecer de nosso Universo.

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Assim que o Swift detectou os primeiros sinais de aumento da atividade do V404 Cygni, o instrumento Maxi (sigla em inglês para “Monitor de Imagens em Raios-X de Todo Céu”), parte do módulo japonês na Estação Espacial Internacional (ISS), foi acionado e observou uma explosão de raios-X vinda da mesma região do céu.

Isso deu início a uma grande campanha internacional para acompanhar o comportamento do buraco negro em diversos comprimentos de onda ao longo do espectro eletromagnético. Desta forma, desde 17 de junho o observatório espacial de raios gama Integral, da Agência Espacial Europeia (ESA), e diversos equipamentos no espaço e em terra estão acumulando dados sobre o V404 Cygni.

“O comportamento desta fonte é extraordinário no momento, com repetidos flashes de radiação em escalas de tempo menores que uma hora, algo raramente visto em outros sistemas com buracos negros“, comenta Erik Kuulkers, cientista do projeto Integral na ESA.

“Nestes momentos, ele se torna o objeto mais brilhante no céu em raios-X, até 50 vezes mais brilhante que a Nebulosa do Caranguejo, normalmente uma das fontes mais brilhantes de alta energia no céu.”

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Passado

Da última vez que o V404 Cygni ficou tão ativo, há 26 anos, o processo foi acompanhado pelo satélite japonês de raios-X Ginga e por instrumentos a bordo da estação espacial russa Mir. Poucos anos depois, uma vez que o buraco negro voltou a ficar mais “quieto”, os astrônomos puderam finalmente observar sua estrela companheira, até então ofuscada pela sua extrema atividade.

Naquela época, os astrônomos conheciam apenas uns poucos objetos no céu que poderiam ser um buraco negro, entre eles o próprio V404 Cygni, e sua explosão de atividade em 1989 foi fundamental para melhorar a compreensão sobre estes “monstros” cósmicos, cuja gravidade é tão poderosa que nem a luz consegue escapar deles.

Com base nas observações disponíveis até então -- inclusive dados de arquivo do século 20 de telescópios óticos que registraram outras explosões de atividade do V404 Cygni em 1938 e 1956 --, eles calcularam que o buraco negro tem uma massa equivalente a cerca de 12 vezes a do Sol, enquanto sua companheira tem apenas aproximadamente metade da massa de nossa estrela.

“A comunidade (astronômica) não podia estar mais animada”, diz Kuulkers. “Muitos de nós nem éramos astrônomos profissionais então, e os instrumentos e equipamentos daquela época não se comparam à frota de telescópios espaciais e à vasta rede de observatórios em solo que podemos usar hoje. É definitivamente uma oportunidade única na nossa vida profissional.”

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Fonte de estudo

Desde a detecção do aumento da atividade do V404 Cygni em 15 de junho, o buraco negro permanece muito ativo, mantendo os astrônomos ocupados. Até agora, apenas alguns poucos sistemas binários com buracos negros tiveram dados coletados simultaneamente ao longo de diversos comprimentos de onda, fazendo desta uma rara chance de acumular mais informações deste tipo.

“Agora que este objeto extremo acordou de novo, estamos todos ansiosos para aprender mais sobre o motor que gera as explosões que estamos observando”, resume Carlo Ferrigno, pesquisador do Centro de Dados Científicos do Integral na Universidade de Genebra, Suíça.

Segundo os astrônomos, os picos de atividade do V404 Cygni a cada duas a três décadas provavelmente são resultado de um lento acúmulo de material no disco de acreção em torno do buraco negro, até que eventualmente ele atinge uma massa crítica que muda dramaticamente sua “dieta” por um curto período de tempo.

Os dados em raios-X, raios gama, ondas de rádio e óticos -- coletados, entre outros, pelo Observatório de Radioastronomia Mullard, em Cambridge, Reino Unido; pelo Gran Telescópio Canárias, nas ilhas espanholas de mesmo nome; além dos já citados Integral, Maxi e Swift -- mostram uma grande variação na atividade do buraco negro, com emissões intensas que duram apenas alguns minutos e outras mais longas, que podem durar horas.

A juntar todas estas peças, os astrônomos esperam ter uma melhor ideia do que está acontecendo neste objeto único. Entre as possíveis revelações destes estudos está o mecanismo por trás dos poderosos jatos de partículas aceleradas próximas da velocidade da luz lançados ao espaço pelo disco de acreção do buraco negro.

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“Estas observações em breve estarão disponíveis publicamente de forma que astrônomos ao redor do mundo possam explorá-las para aprendermos mais sobre estes raros objetos”, resume Peter Kretschmar, gerente da missão Integral na ESA.

“Será possível usar os dados do integral para testar e detectar a polarização das emissões de raios gama e X, o que pode revelar mais detalhes sobre a geometria do disco de acreção do buraco negro. Isto vai definitivamente render material para os livros de astrofísica nos próximos anos.”