O dissidente Guillermo Fariñas, em greve de fome há quatro meses, afirma que o governo será responsável por sua morte| Foto: Adalberto Roque/AFP

Entrevista

Oswaldo Payá, vencedor do prêmio Sakharov de Direitos Humanos do Parlamento Europeu em 2002.

O coordenador do Movimento Cristão de Libertação, Oswaldo Payá, vencedor do prêmio Sakharov de Direitos Humanos do Parlamento Europeu em 2002, diz que a repressão em Cuba cresceu desde a morte do ativista Orlando Zapata.

O senhor concorda que o número de presos políticos diminuiu?

Não discuto estatísticas. Vamos começar pelo mais importante. Não falo só de direitos humanos, mas de um estado permanente em que estão ausentes os direitos dos cidadãos: direito de entrar e sair do país; de escolher entre candidatos, e não ao único candidato indicado na região; direito de ter negócios.

Como ficou a situação dos direitos humanos após a morte de Zapata?

Houve um aumento da repressão. Só há mais direitos humanos quando a lei muda, quando acaba o ambiente de medo. O governo não fala de mudanças com o povo.

As negociações da Igreja com o governo cubano podem ajudar?

Eu saúdo as gestões da Igreja, mas não podemos confundir isso com mudanças de verdade. Continuam os sistemas de vigilância e de controle. É positivo que haja libertações. Mas é preciso libertar uma pessoa sem ameaçá-la, sem desterrá-la.

Como o senhor interpretou o artigo sobre o dissidente Guillermo Fariñas no jornal oficial Granma?

Fariñas entrou numa situação de perigo muito grande. O artigo fala de sua saúde, mas não fala que a greve de fome é pela liberdade dos presos políticos. O texto fala dos custos desse atendimento médico, desviando o foco. Pedimos a Fariñas que deixe a greve de fome porque não queremos que morra. O governo diz "socialismo ou morte". Nós dizemos "liberdade e vida".

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O total de presos políticos em Cuba caiu de 201, em 2009, para 167 na primeira metade de 2010 – a quantidade mais baixa desde a Revolução de 1959. A informação é da Comissão de Direitos Humanos de Cuba (ilegal, mas tolerada por Havana).

Elizardo Sánchez, líder da co­­missão, atribui a redução ao cumprimento das penas, e não "ao fim da repressão’’. Mas também cita fatores políticos: primeiro, a pressão sobre o regime, que teve seu pico em fevereiro, com a morte, por greve de fome, do preso político Orlando Zapata.

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Segundo, uma mudança na "forma de repressão’’: em vez de manter os detentos encarcerados por anos, o Estado estaria aplicando mais detenções "arbitrárias de curta duração’’ – já houve 802 do tipo neste ano – para intimidar dissidentes, diz Sánchez.

Em contrapartida, ele diz também que é esperada para breve a libertação de entre 30 e 40 detentos políticos.

A expectativa por libertações cresce com a chegada a Cuba, ho­­je, do chanceler espanhol Mi­­guel Ángel Moratinos, para "acompanhar’’ o diálogo aberto em maio entre a Igreja e o Estado -mediação que levou à soltura de um preso doente e à transferência de 12 de­­tentos.

Outro ponto na agenda de Mo­­ratinos é a saúde de Guillermo Fariñas, em greve de fome há quatro meses. O jornal estatal Gran­­ma escreveu que o dissidente corre risco de morte, apesar dos cuidados médicos. A dissidência in­­terpretou a reportagem como uma tentativa de Havana "evadir responsabilidades’’ caso Fariñas morra.

Drama

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Fariñas responsabilizou ontem "os irmãos" Fidel e Raúl Castro por sua "morte em breve" e assegurou que deseja morrer em Cuba, se­­gundo uma carta divulgada na in­­ternet. "Estou consciente de que morrerei em breve e considero uma honra (...). Os únicos responsáveis (...) são os irmãos Fidel e Raúl Castro", disse Fariñas, jornalista de 48 anos, na carta escrita por seu porta-voz, Licet Zamora, e divulgada em um site de oposição.

No texto, escrito em resposta a um relatório sobre sua saúde publicado no jornal oficial Gran­­ma, Fariñas criticou o jornal por se "esquivar" de dizer que o "motivo" de sua greve é a exigência da libertação de 25 presos políticos doentes.