Na política, tenha cuidado com as boas intenções. Há oito anos, a Califórnia aprovou um sistema que seria ideal para selecionar candidatos às eleições gerais. A proposta foi vendida como um antidoto à polarização. Em vez de eleitores de cada partido escolherem a relação de candidatos que concorreriam nas eleições de novembro, a intenção era selecionar os candidatos em uma eleição primária em junho. Os dois finalistas, independentemente do partido a que pertencessem, participariam do pleito.
Teoricamente, era um incentivo à moderação e à inclusão, porque forçaria os candidatos a conquistar o maior número de votantes de todo o espectro político. “Vai tirar o poder dos partidos”, disse o então governador Arnold Schwarzenegger, um republicano moderado.
Mas o que aconteceu de errado? Quase tudo.
O sistema adotado pela Califórnia fomentou o caos nos preparativos para primárias desta terça-feira (5). O problema começa com o entusiasmo dos democratas na era Trump. Isto contribuiu para uma avalanche de candidatos, muitos concorrendo pela primeira vez. A princípio, seria algo saudável, mas os números indicam que isto contribuirá para dividir o voto entre os democratas, o que deve beneficiar os republicanos.
Disputa mais cara
O sistema que prevê dois finalistas nas eleições de novembro fez com que as disputas nas primárias se tornassem mais caras, em uma escala próxima à vista nas eleições.
Em uma disputa em um distrito eleitoral no Sul da Califórnia, há 17 candidatos que querem substituir o deputado republicano Edward Royce. Três democratas gastaram perto de US$ 8 milhões. Muito desse dinheiro foi usado na disputa entre eles. A situação só acabou quando o partido promoveu uma trégua entre dois deles – Gil Cisneros e Andy Thorburn. Enquanto isso, o candidato republicano, que provavelmente estará entre os dois primeiros, gastou US$ 700 mil.
Em 2016, os democratas ficaram eufóricos quando nenhum republicano passou adiante nas primárias para o Senado. Mas isso, provavelmente, não afetaria o resultado. A então procuradora-geral Kamala Harris teria uma vitória fácil em qualquer circunstância.
A primária desta terça pode remodelar por completo a eleição de novembro. E os democratas estão em pânico. A Califórnia oferece uma grande oportunidade para eles, porque sete republicanos representam distritos em que a votação de Hillary Clinton foi superior à de Donald Trump em 2016. Estas são algumas das melhores esperanças dos democratas para conseguir os 23 deputados necessários em todo o país para retomar o controle da Câmara dos Deputados - a menos que eles tropecem nas primárias.
Leia mais: Racista, pedófilo e defensor do incesto quer ser deputado nos EUA
“Eu votei para viabilizar esse sistema e estou profundamente arrependida”, disse Sara Jacobs. Ela é uma democrata que está concorrendo a uma cadeira no Congresso, que ficou vaga com a aposentadoria do deputado Darrell Issa. Esta pode ser uma disputa árdua para o partido, considerando que Clinton ganhou nesse distrito com uma vantagem de oito pontos percentuais.
Mas Jacobs é um dos quatro democratas, todos bem-financiados, que estão disputando as vagas pelo distrito que abrange a cidade de San Diego. Os republicanos tem um candidato claro, o deputado estadual Rocky Chavez, enquanto os democratas estão batalhando tão intensamente entre si que é provável que outro republicano seja escolhido para disputar a vaga em novembro.
Os democratas nem podem buscar suas lideranças para orientação. Elas têm se mostrado incapazes. Dois candidatos foram lançados em um distrito, um com apoio da direção nacional e outro reforçado pela direção estadual. O resultado pode ser ruim, já que a cédula nesse distrito conta com 16 candidatos: oito democratas, dos quais três se retiraram extraoficialmente da disputa, seis republicanos, um libertário e um sem partido.
O problema dos republicanos
Mas os republicanos também tem seu próprio pesadelo. São grandes as chances que dois democratas de peso no Estado, o vice-governador Gavin Newson e o ex-prefeito de Los Angeles, Antonio Villaraigosa, avancem para a disputa eleitoral para o governo do Estado em novembro. Isto afetaria severamente a participação do Partido Republicano nas eleições gerais. Os republicanos, incluindo o presidente Donald Trump, por meio de tuítes, estão lutando para impulsionar a seu candidato mais forte, o empresário John Cox, de San Diego.
Leia mais: EUA dizem que não tolerarão interferência russa nas eleições de 2018
Uma pesquisa recente feita pelo jornal “Los Angeles Times” indica que 50% dos eleitores aprovam o sistema de votação implantado em 2010. Mas eles podem pensar de forma diferente após ver os resultados desta terça.
As eleições deveriam servir para dar aos que votam uma opção de escolha. Contudo, a experiência bem-intencionada do estado mais populoso dos Estados Unidos pode mostrar exatamente o contrário.