Ouça este conteúdo
Uma grave crise imobiliária ainda compromete o setor imobiliário chinês, que representa mais de 25% da economia do país. As 100 principais incorporadoras chinesas registraram uma queda de 28% nas vendas de novos imóveis, de outubro de 2021 para 2022, segundo dados divulgados pela agência de mercado China Real Estate Information (CRIC). As vendas acumuladas nos primeiros dez meses caíram 44% em relação ao ano anterior.
Pequim anunciou na segunda-feira (14) o lançamento de iniciativas de resgate do setor imobiliário. Embora sem descrevê-las, o Partido Comunista Chinês declarou que aumentará o acesso ao crédito para ajudar as incorporadoras endividadas que deram calotes bilionários e deixaram obras paradas em “bairros fantasmas” do país.
Para Ting Lu, economista do banco Nomura, entrevistado pela AFP, essa flexibilização reflete um “ponto de virada” das autoridades chinesas, que decidiram, em 2020, endurecer o acesso ao crédito e criaram uma crise política, tendo em vista que o poder central desestabilizou o setor e a economia em geral.
Apesar do anúncio oficial, o buraco está tão grande que pode ser tarde demais. Em uma entrevista à China Newsweek, Wang Xiaolu, renomado economista chinês, diz ter certeza de que a bolha vai estourar em breve. O ex-diretor do escritório de pesquisa da Fundação para a Reforma na China descreve que as vendas de terras estatais estão em queda livre, mostrando uma diminuição de 31,7% no primeiro semestre de 2022. O número de habitações construídas seria desproporcional à procura e um terço dos imóveis permanece sem ser vendido. O resultado: mais de 80% das empresas do setor estão profundamente endividadas.
“De 1999 a 2021, as áreas em construção foram, em média, mais de três vezes maiores do que as áreas vendidas a cada ano”, contam os especialistas em economia chinesa em uma nota de análise da Direção Geral do Tesouro da França, Thomas Carré, Lennig Chalmel, Eloïse Villani e Jingxia Yang.
No final da década de 1990, a China experimentou um boom no setor imobiliário, após a liberalização do mercado. As empresas cresceram muito rapidamente, especialmente graças aos empréstimos bancários. A quantidade de novos prédios cresceu exponencialmente no período de 20 anos. Tanto que a economia do país se tornou dependente desse setor, que atualmente representa mais de um quarto do crescimento da China. Esse frenesi imobiliário levou a um aumento dos preços, especialmente em 2016. Naquele ano, de acordo com o Gabinete Nacional de Estatística, os preços tinham subido 26,4% em Pequim e 29% em Xangai.
A dívida progressiva das empresas forçou Pequim a apertar as regras de empréstimos dos bancos dois anos atrás. Esse endurecimento teve um efeito danoso sobre as incorporadoras já em dificuldades financeiras e causou uma crise de liquidez, que é quando o banco não tem condições de cobrir prontamente uma maior demanda de seus clientes por recursos. Ao mesmo tempo, a crise da Covid desde 2019, com o excesso de confinamentos impostos pela ditadura chinesa, cooperou para a desaceleração de toda a economia.
“As decisões estatais, de retirar o crédito das empresas e de impor a política Covid Zero, prejudicando o sistema econômico, foram fundamentais para essa crise chinesa”, observa o economista e CEO do Grupo Datacenso, Claudio Shimoyama.
Manifestação de proprietários
Mais de um milhão de apartamentos estão inacabados na China hoje, o que mergulha os proprietários em raiva e medo. Dessa forma, alguns se manifestaram no outono de 2021 em Shenzhen, onde fica a sede da Evergrande, número um do setor. Outros decidiram, no verão de 2022, simplesmente parar de pagar seus empréstimos, em forma de protesto. Pelo menos 300 grupos, compostos por milhares de proprietários, em 91 cidades, fazem essa greve.
As pré-vendas na planta são a maneira mais comum de "vender" imóveis na China. O verbo está entre aspas, porque no país não existe uma real venda de casas ou apartamentos, e sim um aluguel por 70 anos de imóveis que pertencem às províncias.
A Evergrande tem uma dívida bilionária (US$ 300 bilhões, R$1,6 trilhão na conversão atual). A empresa deixou de pagar seus títulos em dólares no ano passado e está sendo processada pelo Shengjing Bank por ter dado um calote de aproximadamente 4,5 bilhões de dólares, segundo informou a Yicai Global, o principal grupo de notícias financeiras da China, com sede em Xangai. Conforme análise da MacroPolo, a situação do setor imobiliário não deve melhorar sem resgate do governo central, o que ainda parece pouco provável.
“As vendas continuarão lentas, já que o mercado imobiliário pode não se recuperar até pelo menos meados do próximo ano”, previu um funcionário de marketing de uma incorporadora imobiliária da província de Fujian à Yicai.
Em outubro, os preços das casas novas em 100 cidades caíram por quatro meses consecutivos, enquanto os preços das casas usadas também caíram por seis meses seguidos, de acordo com o Índice de Preços de Casas Residenciais da China.
Dados do Banco Central do país mostram que tanto a renda quanto as expectativas de preço da habitação estão em seus respectivos pontos mais baixos em quase 20 anos.
Desaceleração da China e consequências mundiais
O setor imobiliário foi um dos pilares do crescimento na China, especialmente através dos bancos regionais. Também foi uma das apostas de segurança financeira da segunda maior economia do mundo diante da crise decorrente da Covid-19. No entanto, esse cenário desastroso compromete a economia nacional e mundial.
“A China se tornou o maior parceiro comercial de uma série de países. Se esse setor imobiliário não cresce, a China não só não cresce como diminui suas compras do resto do mundo”, aponta João Alfredo Lopes Nyegray, doutor em estratégia, coordenador do curso de Comércio Exterior e professor de Geopolítica e Negócios Internacionais na Universidade Positivo (UP).
O gigante chinês, que teve crescimento de 8,1% do PIB em 2021, tem agora uma previsão de um crescimento tímido de apenas 3% em 2022. Apesar de ainda ser um percentual positivo, a desaceleração da economia chinesa deverá fazer cair, por exemplo, as exportações brasileiras, porque afeta a dinâmica interna e diminui os investimentos chineses no exterior.
"É como se essa bicicleta não apenas esteja parada, mas comece a andar para trás", explica Igor Lucena, economista e doutor em Relações Internacionais. "Esse, hoje, é o maior risco geoeconômico mundial que existe", completa.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) alertou sobre o risco de "contágio da crise imobiliária chinesa para a economia e os mercados mundiais”.
“Uma desaceleração mais acentuada do que o esperado no setor imobiliário pode ter uma ampla gama de efeitos negativos na demanda global”, ressaltou o órgão em relatório enviado à China no começo do ano. O real tamanho do problema ainda é desconhecido, devido à falta de transparência da ditadura de Xi Jinping.