Paris Dentro de sete dias a França terá um novo presidente. O que está em jogo nestas eleições é a escolha entre dois modelos, ou seja, dois caminhos: um preconizado por Nicolas Sarkozy, o político mais popular da direita, que quer implantar na França algo mais próximo ao liberalismo anglo-saxão, e outro defendido pela socialista Ségolène Royal, que luta para manter o "modelo francês", mais assistencialista, solidário, mas, teoricamente, mais gastador.
O primeiro, segundo os críticos, vai tornar a França mais dinâmica, porém mais desigual socialmente. O segundo, se funcionar, vai tornar a França um país mais solidário. Mas se fracassar, como apostam alguns, vai engessar o país e ferir aqueles que o modelo pretende proteger: os trabalhadores. Há um ponto de convergência entre os candidatos: a França atual, sexta maior economia industrial do mundo, que contribui com 3% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, precisa ser reformada.
Economistas franceses estão divididos sobre qual o melhor caminho. Bernard Gazier, especialista em trabalho, assinou um documento de apoio ao programa de Ségolène Royal. Este professor da Universidade Paris-I defende o modelo mais assistencialista. "Mas é preciso adaptá-lo. Não somos tão generosos quanto se imagina. Só 50% dos desempregados da França são indenizados. É um sistema que teve sua força no passado, mas que se tornou injusto", diz.
No centro está uma questão de um milhão de dólares, pois ninguém tem a resposta: qual a causa do desemprego francês, que oscila entre 8,7% e 10%, bem acima da média européia? "É preciso reconhecer que este é um fracasso significativo da sociedade francesa", acredita Gazier.
A França, com seu sistema de proteção social, conseguiu limitar o aumento da pobreza, sustenta o economista. Como lembra o sociólogo Louis Chauvel, o fosso entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres no Brasil é de 1 para 20. Na França, é de 1 para 3,5. Mas este modelo, segundo Gazier, não é mais tão eficaz. Ele explica que, nos anos 60 e 70, prevaleceu um modelo "industrial-masculino", segundo o qual grandes empresas integravam trabalhadores não formados e os formavam. Mas emergiu uma nova sociedade, baseada no conhecimento. Alta qualificação virou exigência. Mas o sistema francês dos anos 60 não se adaptou e, por isso, não funciona mais. "Hoje as empresas francesas buscam trabalhadores já qualificados e tentam se livrar dos trabalhadores que não são suficientemente formados ou adaptáveis à nova realidade. Precisamos de um novo modelo de integração dos trabalhadores", salienta Bernard Gazier.
Para o especialista, a melhor solução para a França seria algo como ocorre na Áustria: um mercado de trabalho muito bem organizado, com trabalhadores com qualificação identificada e de alto nível. Um terço dos austríacos desempregados volta um ano depois para a empresa que os demitiu, segundo o economista. Quase 40% dos trabalhadores austríacos são sindicalizados quando, na França, a taxa de sindicalização é uma das mais baixas da Europa: 8%.
Mathieu Kaiser, economista do BNP Paribas, lembra que os dois candidatos são a favor da economia de mercado. A diferença entre eles está no grau de interferência na economia. Com Sarkozy, segundo ele, haverá mais abertura de mercado e menos intervenção. Com Ségolène, haverá mais intervenção, sobretudo no mercado de trabalho. Sarkozy propõe flexibilizar as leis trabalhistas, reduzir encargos das empresas, além de encorajar o francês a trabalhar mais.
Já Ségolène promete criar 500 mil empregos subsidiados, consolidar a lei que limita o trabalho em 35 horas semanais e aumentar o salário mínimo para 1,5 mil euros (R$ 4.300) até 2012 (aumento de 3% por ano). A criação de empregos deveria gerar mais consumo. Mas desde 2002, segundo Kaiser, há uma tendência de desaceleração do consumo, apesar dos aumentos do salário mínimo de 39% entre final de 2000 e 2006 e da criação de empregos subsidiados, em 2005.
Um aumento do salário mínimo, explica o economista, gera um aumento no poder de compra do trabalhador num primeiro momento. Mas, se o salário mínimo aumentar muito rápido, surge a inflação e a barreira ao emprego de pessoas menos qualificadas. "Esta é uma velha receita, discutível", argumenta.
Por outro lado, o programa de Sarkozy, por implicar várias reformas impopulares, é mais difícil de ser aplicado e pode levar mais tempo para mostrar efeitos positivos. "Reforma é algo difícil de se vender, porque se vê muito rapidamente os efeitos negativos. Por isso é muito importante o método. Será preciso adotar ao mesmo tempo medidas que assegurem as pessoas, talvez alguma compensação para os perdedores", acredita.
Kaiser chama atenção para a tendência intervencionista de Sarkozy, que o afasta do modelo liberal anglo-saxão. Quando era ministro da Economia, ele salvou a gigante energética Alstom da falência com dinheiro do contribuinte. Mas, apesar disso, o economista acha que o programa de Sarkozy tem mais chances de dar certo, sob uma condição: que as reformas não sejam simplesmente impostas goela abaixo. Assim, a França corre o risco de assistir a uma onda de protestos de rua.
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