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À esquerda, avista-se o deslumbrante mar mediterrâneo. Do outro lado, estão as fronteiras políticas intransponíveis. Em uma área correspondente a um quarto da capital paulista, mais de 1,5 milhão de habitantes, a maioria jovem, padece com a disputa entre o grupo palestino Hamas e o governo de Israel. Além dos recentes bombardeios na Faixa de Gaza, a população reside na miséria, convive com o desemprego, sofre com retaliações como corte de água e luz.
"Mesmo assim, o povo é acolhedor e feliz", diz o cirurgião plástico brasileiro Zulmar Antônio Accioli de Vasconcellos, de 41 anos. Médico voluntário, já foi sete vezes para áreas de conflitos no Oriente Médio e Europa com a missão de operar as vítimas das guerras e qualificar os médicos locais. Se os confrontos diminuírem, em março de 2009 Vasconcellos voltará para a Faixa de Gaza.
Apesar do clima desértico e da distância cultural, o cirurgião observou algumas semelhanças entre a região e o Brasil. Os campos de refugiados são como uma favela plana cortada por asfaltadas ruas. O que era para ser provisório, depois de décadas, tornou-se lar. "Conforme a família cresce, sobe-se mais uma laje nas casas de tijolos", conta Vasconcellos.
A moeda local é a israelense shekel. Quem possuía emprego, antes dos bombardeios, cruzava a fronteira para trabalhar em Israel. Os demais recebiam do governo uma espécie de bolsa com a qual adquirem apenas o necessário - como comida - para sobreviver. Nos bares, havia uma foto colada na parede do falecido líder palestino Yasser Arafat e, ao lado, uma do Ronaldo Fenômeno.
Como a viagem começou
Atualmente, Vasconcellos vive em Florianópolis, Santa Catarina. A primeira vez que se aventurou para ajudar as vítimas na Faixa de Gaza foi em 2002. "Tudo começou com um colega europeu que, conversando com um cirurgião palestino, soube da gravidade das lesões dos feridos", conta. O colega francês organizou médicos interessados em tratar as vítimas e conseguiu patrocinador. Na época Vasconcellos era recém-casado, mas topou ir para a Faixa de Gaza com mais seis colegas. Cada missão dura por volta de dez dias.
Na primeira viagem, foi chamado para atender um paciente em uma sala com cerca de 20 homens armados. O homem tinha uma lesão no braço, precisava de um transplante de osso da perna para corrigir o membro superior. Durante a cirurgia, pessoas relacionadas ao governo ligavam para o médico para verificar como ocorria o procedimento. "Na porta, havia pessoas armadas afirmando que o paciente era um herói deles", diz. Após a recuperação da cirurgia, o paciente agradeceu: "Antes da cirurgia, eu jogava bomba apenas com uma mão. Agora uso as duas". "Depois desse depoimento, nunca mais operei adultos em áreas de guerra. Apenas trato as crianças", afirma Vasconcellos.
Dia-a-dia na Faixa de Gaza
As missões humanitárias alojam-se em hotéis. Após o café da manhã - ovo, pão e queijo de cabra -, Vasconcellos e seus colegas caminhavam a pé para o principal hospital de Gaza chamado Al-Shifa ou "a cura", em português. "A instituição possui cerca de 250 leitos e recebeu aparelhos de doação espanhola e japonesa. Tudo está muito sucateado, as condições são precárias", diz o cirurgião. O médico assistia cerca de 20 ou 30 pacientes por dia. Uma enfermeira francesa que fala árabe ajudava com o idioma. "Mas a maioria da população masculina também fala inglês", conta.
No hospital, Vasconcellos conta que o atendimento é desorganizado. "As pessoas entram armadas no hospital e é comum famílias inteiras aparecerem para se consultar ao mesmo tempo. Acho que isso faz parte da cultura deles", afirma. Após operar durante a tarde, os médicos voltam para o hotel. "O clima é tão seco e empoeirado que no final do dia a boca parece estar com areia". Se não tiver bombardeio, os humanitários se unem para jantar em um dos cerca de seis restaurantes espalhados pela cidade. Caso contrário, a orientação é a de não deixar o hotel.
Atualmente, os humanitários recebem orientações para se proteger na guerra. "Se houver atentado palestino à tarde, à noite haverá retaliação. Nesses casos é desaconselhável sair à noite", diz Vasconcellos. Outras precauções: em um bombardeio, deve-se esconder debaixo da mesa; se explodir uma bomba, é preciso ficar com a boca aberta para não prejudicar a audição posteriormente; ao avistar um helicóptero ou ver pessoas abandonado os carros no meio das ruas ou estradas, é importante sair do carro porque é sinal de bombardeio aos veículos; evitar circular perto de edifícios oficiais como delegacias de polícia e ministérios, em caso de retaliação, é comum Israel alvejar essas instituições.
"Apesar disso não tive medo de caminhar para trabalhar ou de ficar no hotel", conta o médico. Mas Vasconcellos já presenciou bombardeios e, graças a eles, fumaças, janelas tremendo e falta de luz.
A volta para o conflito
A última vez que Vasconcellos esteve na Faixa de Gaza foi em 2006, antes do Hamas retornar ao poder. Depois evitou voltar devido aos seqüestros de médicos humanitários. Mas pretende retornar em breve. "Se a situação melhorar, no início do mês de março de 2009 estarei em Gaza", conta. "Agora com duas crianças pequenas e minha mulher grávida, tive que negociar mais essa viagem", completa.
"As organizações não governamentais melhoraram, possuem até segurança", diz. Ele contou que apesar dos bombardeios, enfrentou as piores situações quando precisou transitar de uma cidade para outra. "Com uma metralhadora apontada, os palestinos revistam as malas, o carro e você à procura de bombas", conta. No aeroporto, seguindo para Israel, duas vezes precisou tirar a roupa para ser revistado. "Não me sinto ofendido, pois é questão de segurança contra bombas", afirma Vasconcellos.
Em 2006, também ficou retido em Jerusalém. A ajuda humanitária foi cancelada devido ao seqüestro de médicos franceses. Em outra viagem, Vasconcellos e um colega cirurgião francês foram confundidos com israelenses pelos policiais palestinos. Também foram revistados com metralhadoras mirando para eles. Uma outra situação complexa ocorreu quando os médicos foram convidados para jantar na periferia de Gaza. Ao chegar, perceberam que o convite partiu do Hamas. "Armados, o grupo discursava. Ficamos quietos, comemos e fomos embora. Na volta, vimos homens encapuzados plantando dinamites na estrada contra uma invasão de tanques israelenses", lembra. "A guerra não resolve nada, apenas quem sofre é a população", finaliza.