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Candidato no Afeganistão tem de acertar contas com o passado

Asadullah Khalid conversa com apoiadores em Cabul | JIM HUYLEBROEK/
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Asadullah Khalid conversa com apoiadores em Cabul (Foto: JIM HUYLEBROEK/ NYT)

Durante seus dois anos de recuperação no Walter Reed, o mais importante centro médico das forças armadas norte-americanas, Asadullah Khalid ficou conhecido como um paciente milagroso.

 Khalid quase não sobreviveu a uma tentativa de assassinato do Talibã em 2012, quando era chefe da inteligência afegã. Um homem bomba disfarçado havia acabado de almoçar com Khalid e estava sentado a sua frente quando disparou o explosivo à queima-roupa, enquanto os pratos ainda estavam sendo tirados da mesa. 

 O torso de Khalid foi rasgado, e ele precisou de dezenas de operações antes de poder começar a andar novamente. Seus primeiros três passos, contou, foram os momentos mais dolorosos de que consegue se lembrar. 

Um novo desafio 

Quase seis anos depois de ter enganado a morte, Khalid, de 48 anos, está enfrentando grandes dificuldades novamente, mas agora as que escolheu. Ele está saindo do mundo sombrio da espionagem, que o moldou desde a juventude, e entrando no confuso campo da política afegã na esperança de se tornar presidente. 

 Nas últimas semanas, reuniu uma multidão de apoiadores, na maioria jovens, em um comício em Cabul, a capital afegã, e em Khost, no sudoeste, para marcar a criação de um partido político que espera que possa se tornar um fator importante na eleição presidencial do ano que vem. 

 Khalid já foi muitas coisas: operário prodígio e administrador do dinheiro dos rebeldes mujahidin quando eles lutavam contra o regime comunista do Afeganistão nos anos 1980; governador de província e fiel aliado dos norte-americanos enquanto caçava militantes do Talibã depois da invasão; e um temido chefe de espionagem acompanhado por sussurros sombrios de tortura. Acima de tudo, no entanto, é um sobrevivente. 

 Agora, também se tornou um desenvolvimento problemático para o presidente do país, Ashraf Ghani, que enfrenta dificuldades. "Podemos continuar calados por mais tempo sobre esses dois doutores?", perguntou Khalid em um comício, referindo-se a Ghani, que é doutor em antropologia, e seu parceiro de coalizão, o oftalmologista Abdullah Abdullah. 

 Na ausência de partidos políticos fortes, as esperanças presidenciais no Afeganistão vivem ou morrem em uma série de coalizões dispersas, cada uma com um membro da maioria étnica pashtun como líder. 

Campanha em andamento

 Com a votação a apenas alguns meses, a formação de coalizões e a disputa entre as figuras públicas pashtun para liderá-las está em plena atividade. O titular, Ghani, já declarou que vai tentar a reeleição, mas seus problemas em todas as frentes, da deterioração da segurança até a desintegração da coalizão que o elegeu, dão uma esperança a seus possíveis opositores. 

 Vários dos potenciais candidatos que concorrem pela primeira vez são, como Khalid, ex-ministros da segurança. Embora suas chances ainda não estejam claras, Khalid tem em seu favor uma percepção de proximidade com a CIA e outros oficiais norte-americanos (o ex-presidente Barack Obama visitou-o no hospital e se manteve interessado em sua recuperação) e uma facilidade com antigos senhores da guerra afegãos que hoje detêm o poder na política do país. 

Um longo caminho de retorno

 O caminho para o seu retorno tem sido longo. Ele deu seus primeiros passos anos depois da bomba, e seus primeiros passos políticos vieram anos depois de ser liberado do Centro Médico Militar Nacional Walter Reed, que fica nos arredores de Washington. 

 Em grande parte por insistência dos norte-americanos, ele ajudou na mediação entre Ghani e Abdullah quando os dois, oponentes na duramente disputada eleição de 2014, estavam se digladiando dentro de um governo que supostamente deveria ter sido compartilhado. 

 Então, nos últimos dois anos, começou a trabalhar silenciosamente para montar seu próprio partido, o Omid e Saba, uma rede de base da nova geração, da qual é líder, em oposição ao governo de Ghani, que em geral toma decisões de modo centralizado, e que reforça seu cabo de guerra contra partido políticos mais antigos que se tornaram dinastias. 

Acertos

No entanto, enquanto tenta moldar uma nova identidade, seu passado permanece um motivo de -preocupação. 

 Ele não apenas atingiu a maioridade sob as asas de alguns dos mais controversos senhores da guerra, associados a décadas de guerra no Afeganistão, como é acusado de ter agido em grande parte como eles quando se tornou um jovem governador.

Organizações de direitos humanos dizem que quando Khalid dirigia as províncias de Ghazni e depois de Kandahar, manteve prisões privadas onde forças sob seu comando torturavam os detidos. 

 Há tempos Khalid vem negando essas acusações. "Nas províncias, o governador é o encarregado geral", explicou. "Se você tem a prisão policial, e as forças policiais são seus guardas, qual é a necessidade de prisões privadas?" 

Produto da história

Khalid é um produto da história de turbulência do Afeganistão ao longo das últimas quatro décadas, lançado em uma vida cercada de armas, dinheiro e missões secretas desde a juventude. 

 Seu pai foi membro do parlamento da província de Ghazni durante a monarquia do Afeganistão. Quando Asadullah estava no 10º ano, na década de 1980, ele e três colegas da escola em Cabul foram presos pelo regime comunista acusados de envolvimento com partidos que pretendiam derrubar o governo. 

 Seu pai negociou sua libertação. Os agentes o entregaram no escritório do chefe de inteligência do país, o mesmo que Khalid iria ocupar décadas depois. Com seu pai sentado do outro lado da escrivaninha, o chefe da inteligência e futuro presidente Mohammad Najibullah, que foi derrubado pelos rebeldes mujahidin com ajuda de Khalid, disse ao garoto que ele estava livre. 

 "E os meus amigos?", Khalid se lembra de ter perguntado. Enquanto Najibullah anotou os nomes de seus amigos e prometeu que iria soltá-los, Khalid percebeu que o chefe da espionagem estava escrevendo com um lápis. Ele denunciou o fato. "Eu era um jovem teimoso", afirma. 

Logo após sua libertação, Khalid se juntou à resistência islâmica, que operava do Paquistão. Ele e sua família se opunham ao governo comunista, mas ele explica que não eram ligados à ideologia que unia o grupo. Depois que seu tio, que liderava uma milícia tribal que fazia parte da resistência, ser morto, a tribo escolheu Khalid, que ainda era um adolescente, como líder. 

 Ao longo dos anos, ele se tornou um dos mais confiáveis tenentes de Abdul Rab Rasoul Sayyaf, islâmico radical e aliado fiel do contingente árabe que depois seria liderado por Osama bin Laden. Khalid serviu como a ligação de Sayyaf com países estrangeiros e muitas vezes lidou com seu dinheiro. 

 No começo dos anos 1990, depois que os mujahidin derrubaram o governo comunista e tomaram conta de Cabul, Khalid sentiu brevemente o gosto na normalidade. Ele se tornou estudante de Ciências Políticas, e sua entrada na universidade foi garantida por uma ordem especial do primeiro ministro. 

 Enquanto isso, seu antigo aliado, Sayyaf, tornou-se uma figura central no confronto entre lordes da guerra que destruíram Cabul e traumatizaram o país, o que acabou quando o Talibã invadiu a cidade em 1996. 

 Ele tem consciência de que seus anos de trabalho com Sayyaf são um legado que precisa ser superado se ele realmente quiser o cargo.  "Não queremos voltar para a década de 1990", declarou Khalid durante o comício – denunciando, no fundo, um passado do qual fez parte. 

 

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