Os principais jornais da França e do mundo destacaram durante esta semana a história de terror vivida por Gisèle Pélicot, uma mulher de 72 anos, mãe e avó, que foi drogada pelo seu ex-marido e abusada sexualmente por dezenas de homens durante um período de nove anos.
O caso, que tem chocado a França e o mundo, envolve atualmente 51 réus, incluindo Dominique Pélicot, de 71 anos, com quem Gisèle foi casada por quase cinco décadas. Tanto ele quanto os demais estão sendo julgados desde o último dia 2 no Tribunal Criminal da cidade de Avignon, no sudeste da França. O julgamento até enfrentou o risco de ser adiado devido ao estado de saúde de Dominique, o principal réu do caso, mas a situação foi resolvida, e a expectativa é que se tenha uma sentença até o dia 20 de dezembro.
Os terríveis detalhes divulgados até agora sobre o caso traçaram uma linha perturbadora dos atos orquestrados durante anos pelo ex-marido de Gisèle.
A descoberta de anos de abusos contra a mulher ocorreu de forma inesperada. Em setembro de 2020, Dominique foi preso por tirar fotos por baixo da saia de mulheres em um supermercado na comuna francesa de Carpentras. Durante a investigação deste caso, as autoridades do país europeu analisaram o computador do homem e encontraram as imagens chocantes: vídeos de Gisèle sendo estuprada enquanto estava completamente inconsciente.
Segundo os policiais, os abusos, que ocorreram entre 2011 e 2020, foram cometidos por cerca de 92 indivíduos, todos recrutados por Dominique em fóruns na internet. Além disso, o próprio Dominique também cometeu diversos atos de violência sexual contra a agora ex-esposa.
Em depoimento ao tribunal nesta semana, Gisèle, que renunciou ao seu direito ao anonimato, porque quer dar voz e alertar outras vítimas, descreveu a sensação devastadora ao ser confrontada com as imagens dos abusos.
“Meu mundo desmoronou”, afirmou ela.
A mulher de 72 anos contou que só soube dos estupros perpetrados contra ela ao ser chamada no dia 2 de novembro de 2020 para um interrogatório sobre o caso envolvendo Dominique em Carpentras. Neste interrogatório, os investigadores fizeram perguntas específicas para ela e então lhe apresentaram uma série de fotos que haviam sido tiradas em sua própria cama.
"Os policiais salvaram minha vida”, disse Gisèle no primeiro dia de julgamento na semana passada. “Eu não reconheci a mim mesma nas primeiras fotos”, disse. “Foi difícil me ver vestida de uma forma que não era familiar. Mas depois a realidade me atingiu. [...] Era insuportável. Eu estava inerte, na minha cama, e um homem estava me estuprando”, afirmou a mulher.
À polícia, Dominique admitiu ter misturado ansiolíticos e pílulas para dormir na comida e vinho de Gisèle para mantê-la inconsciente durante os abusos. Ele, então, convidava os indivíduos, todos estranhos que nunca tinha visto pessoalmente, para a casa do casal, dando-lhes instruções detalhadas para não a despertar, como não usar perfume e se despir na cozinha.
Segundo a polícia, não houve transações financeiras envolvidas neste caso e preservativos não eram exigidos durante os abusos perpetrados contra a mulher, o que resultou na contaminação de Gisèle com quatro doenças sexualmente transmissíveis.
“Tudo o que construímos juntos se foi”, disse ela, que afirmou está abalada com o que aconteceu. O impacto emocional dos abusos está sendo devastador na vida da mulher.
Após descobrir os atos violentos em 2020, Gisèle deixou a casa onde morava com Dominique, na comuna de Mazan, e prontamente iniciou um processo de divórcio que só foi concluído neste mês, devido à burocracia.
Conforme relatou à BBC, para lidar com o trauma, ela passou por sessões de psicoterapia. Em seu testemunho durante o julgamento, Gisèle disse que, durante grande parte de seu casamento, acreditou estar vivendo uma “vida feliz” com o homem que foi o seu agressor, superando juntos dificuldades financeiras e criando seus três filhos, que já lhe deram sete netos.
A polícia já conseguiu listar 72 homens como autores dos abusos contra Gisèle – nas imagens obtidas foram identificados 92 casos praticados por diferentes pessoas -, 51 deles já foram devidamente localizados e já estão sob julgamento neste atual processo, incluindo seu ex-marido. Os investigadores citam que os envolvidos localizados tinham uma vida comum, com empregos e até família constituída. Eles possuem idades entre 26 e 40 anos.
Os advogados dos réus, em sua maioria, alegam que os homens pensaram estar participando de “atos consensuais” – um “desejo do casal” -, e que não sabiam que Gisèle estava sob efeito de drogas. Contudo, as evidências coletadas mostram o contrário, com Dominique supervisionando cada etapa dos abusos e orientando os envolvidos.
Os investigadores afirmam que analisaram as mais de 3 mil imagens e vídeos que foram feitos por Dominique e constataram que Gisèle estava em um “estado de inconsciência profunda” durante os abusos.
Dezoito dos 51 réus acusados, incluindo Pélicot, estão presos, enquanto outros 32 réus estão sendo julgados em liberdade. Um ainda está foragido, mas a Justiça irá julgá-lo à revelia.
A filha do casal, que testemunhou no julgamento, definiu o pai como “um dos maiores criminosos sexuais dos últimos 20 anos”. Caroline Darian, de 45 anos, revelou que também foi vítima de Dominique, que tinha fotos dela nua.
"Descobri que meu pai me fotografou, sem meu conhecimento, nua. Por quê?”, indagou, segundo informações da agência France-Presse (AFP).
“Minha mãe me disse: 'Passei boa parte do dia na delegacia. Seu pai estava me drogando para me estuprar com estranhos'. Tive que ver fotos'", disse ela ao revelar detalhes do momento em que a mãe descobriu os abusos. “Como nos reconstruímos quando ficamos sabendo disso?”, questionou.
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