Fidel em 2008, ao anunciar sua renúncia.| Foto: ADALBERTO ROQUE/AFP

Fidel Castro entra para a História como o homem que derrotou o império norte-americano. E foi um ditador que conseguiu se esquivar da imagem que tipicamente se tem de um ditador – vi­­lão, carrasco, sanguinário, louco, excêntrico.

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Talvez Fidel fosse isso tudo e pior para os críticos e vítimas de seu regime, mas os pesquisadores consultados pela reportagem – sejam eles mais ou menos favoráveis à ditadura castrista – falam sobre o “mito Fidel”, nas aspas do professor Ricardo Antonio Souza Mendes, da Universidade do Esta­­do do Rio de Janeiro.

“Fidel tem uma legitimidade histórica que está na origem da revolução – ele criou essa imagem na luta. Se não tivesse legitimidade, teria caído por volta de 1995”, diz Dimas Floriani, professor da Casa Latino-americana.

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Uma série de proezas – outros chamariam de coincidências – acabou criando a imagem de um “líder invencível”, explica o professor Ricardo Mendes. Fidel superou a violenta repressão contra os participantes do assalto à Moncada. Ele sobreviveu ao desembarque de Gramna, onde 12 de um grupo de 82 pessoas saíram com vida. E resistiu também à grande ofensiva do ditador Fulgêncio Batista.

“O confronto realizado a partir de Sierra Maestra reforçou a simbologia da luta hercúlea, he­­roica, contra uma ditadura que aparentemente era muito mais forte”, explica Mendes. “O fato de ter liderado a vitória de pouco mais de 300 lutadores contra uma força de 10 mil soldados foi outro aspecto da construção do mito, mais uma vez com forte co­­notação religiosa: a luta de David contra Golias.”

Para Floriani, o maior legado de Fidel é a disposição de criar uma alternativa ao sistema he­­gemônico, no caso, o capitalista. “Não é um elogio, mas, para a América Latina, é um exemplo que colocou as questões sociais no centro das atenções. É uma ilusão desejar que o capitalismo periférico seja como o central, que levou 200, 300 anos para se tornar mais equilibrado”, explica o professor.

Inimaginável

“Para a esquerda, Fidel é um líder revolucionário que conseguiu derrotar os EUA com a guerrilha – algo inimaginável até então – e inspirar outros, como o Vietnã. Ele foi alguém que conseguiu vencer o inimigo imperialista”, diz o especialista em relações internacionais Marcos Alan Ferreira. “Para os críticos, foi um ditador, que perseguiu em­­presas privadas e criou um êxodo de cubanos. Porém, diferente do modelo chinês ou do alemão, Fidel foge da imagem de carrasco.”

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Autor do livro Formação do Im­­pério Americano (Civilização Brasileira), Luiz Alberto de Vian­­na Moniz Bandeira não tem meias palavras: “Gostem dele ou não, Fidel Castro marcou uma época na América La­­tina. Só o fato de ter ficado no poder por quase 50 anos, apesar de tudo o que os Estados Unidos fizeram, inclusive para assassiná-lo, constitui uma enorme vitória. E por isso os Estados Unidos não o perdoam. Cuba, como um pequeno país, rebelou-se contra o império e, digam o que disserem, venceu, porque a maior potência militar do planeta não conseguiu derrubá-lo”.

Um dos responsáveis pela revista eletrônica Fevereiro, Ruy Fausto é radicado em Paris e se apresenta como um crítico do filósofo Karl Marx. Professor emérito da Universidade de São Paulo, ele diz, em entrevista por e-mail, que Fidel representa “algo como um aborto do processo de libertação”.

“Os irmãos Castro expropriaram uma revolução democrática. O quarto homem cubano da revolução, Huber Matos, apodreceu nas prisões castristas durante 20 anos. Só não o mataram por medo da opinião pública internacional. Camilo Cienfuegos, o terceiro cubano, morreu em circunstâncias mui­­to estranhas. A atitude de Ca­­milo em relação ao caso Matos foi hesitante. Castro o enviou para prender Matos. Houve uma série de mortes estranhas de gente ligada de algum modo à morte de Camilo – controladores do aeroporto e várias ou­­tras testemunhas. Segundo al­­guns autores, o avião foi abatido por um caça cubano e eles dão inclusive o nome do piloto. Elocubração?”, questiona Faus­­to. “Não digo que isso é certo, é mais ou menos certo que o po­­der castrista não contou tudo o que sabe sobre o caso. Devo di­­zer que os dados são impressionantes, mas seria preciso verificar.”

“A meu ver, é essencial manter uma posição de esquerda na crítica a Castro”, continua Fausto. “Posição de esquerda não quer dizer atenuar as críticas ao regime, ou falar das suas ‘conquistas’. ‘Conquistas’, a ri­­gor, não existem. A maneira de diferenciar uma crítica de es­­querda é mais ou menos a se­­guinte (desenvolvo esse ponto em outros textos). Mostrar que, se a democracia é sempre superior ao totalitarismo, o capitalismo, principalmente selvagem, quando acoplado com a democracia, a mina de uma forma ou de outra. Isso não quer dizer que ele liquide sem mais a democracia. Mas limita as suas exigências e no tempo cria condições para o fim da democracia.”

E arremata: “A nossa bandeira poderia ser dupla: ‘Ame­­ricanos fora de Guantânamo!’ e ‘Castrismo fora do poder em Cuba!’. Muito complicado? Pois a história é complicada. Quem não quiser complicação acaba sendo cúmplice do que há de mais sinistro. Cúmplice de Stá­­lin, Mao ou Castro”.

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