Meses após debates, promessas, polêmicas e acusações, as eleições americanas começaram, de fato, nesta segunda-feira, com o caucus (reunião de eleitores) de Iowa, que iniciou o longo caminho para que os partidos Democrata e Republicano definam os candidatos que disputarão a votação de novembro. As incertezas e a expectativa de uma mobilização pelo “voto útil” tornam a longa disputa ainda imprevisível.
As fortes mudanças sociais e econômicas pelas quais passam os Estados Unidos também podem alterar o jogo e tornar estas primárias ainda mais surpreendentes que no passado, sobretudo pela possibilidade da entrada de um candidato independente e competitivo, o bilionário e ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg.
“As pesquisas levam em conta o imaginário do eleitor, mas na hora H muitos se deixam levar pelo pragmatismo. É quando acontece o chamado “voto útil”, em que o comportamento do eleitorado leva em conta a opção pelo candidato considerado o mais viável, abandonando até mesmo os nomes mais admirados”, afirma Cliff Young, presidente da Ipsos Public Affairs nos EUA, empresa especializada em pesquisa social e reputação corporativa.
Quem mais pode sofrer com esse “voto útil” é o republicano Donald Trump, marcado por frases polêmicas contra imigrantes, mulheres, muçulmanos e deficientes, e que poderá ter dificuldades para conquistar o eleitor de centro. Nos caucuses, ao contrário de uma primária tradicional, em que o eleitor apenas vota, isso é mais evidentes pois há um debate entre grupos de pessoas que precisam defender seus escolhidos, ficando assim suscetíveis a mudanças de última hora.
“Em todo ano eleitoral há surpresas principalmente nestes dois primeiros centros, Iowa e New Hampshire, as primárias iniciais. Isso fica ainda mais fácil entre os republicanos, que têm 12 pré-candidatos e a liderança do polêmico Donald Trump. Mas a porta também está aberta no campo democrata, com o crescimento do senador Bernie Sanders sobre a candidatura de Hillary Clinton”, diz Mitchell McKinney, professor de Comunicação Política da Universidade do Missouri.
Muitas vezes as candidaturas já estão definidas depois da chamada superterça, quando mais de dez dos 50 estados fazem suas escolhas, ou então depois da votação na Flórida, em meados de março. Mas Cliff Young afirma que a escolha do Partido Republicano pode chegar até junho sem resolução:
“Existe uma grande chance de a situação chegar à convenção do partido, em julho, sem um vencedor claro, que una os republicanos e que tenha a maioria absoluta dos delegados. Neste cenário, a própria convenção pode ser contestada”, diz o presidente da Ipsos, lembrando que, após o susto inicial das primárias, Hillary ainda é favorita à nomeação democrata.
Ele afirma que, com este cenário aberto, aumentam as chances de o republicano Michael Bloomberg, de 73 anos, entrar na disputa de forma competitiva, mas como candidato independente. O jornal “New York Times” noticiou que o bilionário prefere esperar até março para ter certeza se disputará a vaga. O avanço de Trump seria fundamental para os planos de Bloomberg, que acredita ser possível conquistar o voto dos moderados ou dos que não se identificam com nenhum dos dois partidos.
Especialistas avaliam, ainda, que as prévias ocorrem em um momento de grande mudança nos EUA: a classe média deixou de ser maioria no país. Uma pesquisa do Pew Research Center indica que ela representava 61% da população em 1971, mas tem perdido terreno. Em meados do ano passado, 120,8 milhões de americanos adultos eram da classe média, contra 121,3 milhões de adultos do somatório das classes alta e baixa. O Ipsos mostra também que, em 2016, pela primeira vez na História americana, crianças brancas não são a maioria nos jardins de infância do país.
“Esta eleição é o momento de os EUA se questionarem. Há muitas dúvidas sobre o futuro, sobre o fim do sonho americano, do temor de o país não ser a grande potência planetária. Os democratas exploram esse fenômeno, indicando que o país precisa enfrentar a desigualdade. Já os republicanos focam no medo de que o país deixe de ser tão grandioso”, afirma Young.
O professor Mitchell McKinney afirma que esta eleição ainda não tem uma agenda clara. Enquanto entre os democratas há mais debates sobre programas de saúde, aumento do salário mínimo e redução da desigualdade, no lado republicano, os assuntos mais em voga são imigração, terrorismo e a necessidade de se reduzir a influência do Estado na vida das pessoas.
“Esta disputa eleitoral está muito mais focadas nas pessoas dos candidatos do que em temas, algo a que os EUA não estão acostumados. As eleições nacionais, em geral, têm uma agenda dominante. Isso muda a dinâmica das prévias e das eleições”, conclui.
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