O chanceler austríaco conservador Sebastian Kurz pediu novas eleições neste sábado (18), horas depois de seu vice-chanceler e líder do Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ), Heinz-Christian Strache, anunciar sua renúncia de ambos os cargos. O colapso da coalizão austríaca entre o partido conservador de Kurz e o Partido da Liberdade, de direita, de Strache, marcou o fim de uma aliança política que enfrentou duras críticas desde o início.
Horas antes do anúncio de Kurz neste sábado, vazaram vídeos na sexta-feira à noite que mostram o seu vice-chanceler prometendo contratos com o governo em troca de doações políticas de uma mulher que alegava ser parte de uma família de oligarcas russos.
Os vídeos, gravados secretamente em uma casa na ilha mediterrânea de Ibiza em 2017, antes das eleições austríacas, incluem Strache dizendo à mulher que ele poderia arranjar lucrativos contratos com o governo se ela adquirisse participações majoritárias no maior jornal da Áustria, o Kronen Zeitung, e apoiasse o anti-imigrantista Partido da Liberdade.
Mas a reunião parece ter sido uma cilada política. A mulher não era a sobrinha de um proeminente empresário russo, como alegava. O jornal alemão Süddeutsche Zeitung e o semanário alemão Der Spiegel publicaram trechos do vídeo na sexta-feira, mas não disseram como eles foram obtidos ou como foram feitos.
Em um comunicado divulgado no sábado, Strache negou ter cometido irregularidades e enfatizou que não cometeu nenhum crime, mas disse a repórteres que seus atos foram "estúpidos, irresponsáveis e equivocados", e disse que estava "agindo como um adolescente".
Ele ressaltou que esperava que o escândalo não resultasse no colapso do governo de coalizão.
Mas em seus comentários após o caso, Kurz justificou a sua decisão citando os laços do Partido da Liberdade com grupos controversos de extrema-direita e outros escândalos, incluindo um recente poema de um oficial do partido de ultradireita que comparava migrantes a ratos.
"Depois do vídeo de ontem, devo dizer que basta", disse Kurz, referindo-se à ideia de "abuso de poder" nas gravações, entre outras coisas que "prejudicam a reputação de nosso país".
Kurz disse que não estava convencido de que o Partido da Liberdade mudaria fundamentalmente no futuro.
Os vídeos que desencadearam as ações dramáticas deste sábado foram feitos antes que o Partido da Liberdade de Strache formasse uma coalizão com os conservadores tradicionais, liderados por Kurz. O vazamento também ocorreu apenas alguns dias antes das eleições para o Parlamento Europeu.
Voz influente no exterior
Como um dos mais importantes líderes da ultradireita da Europa, Strache moldou a política austríaca por anos e também foi considerado uma voz influente no exterior, onde era conhecido por sua posição anti-imigração entre seus colegas europeus. Sua renúncia e o subsequente colapso do governo de coalizão representaram um duro golpe para as tentativas dos partidos europeus anti-imigração de se posicionarem como alternativas válidas de governo, mas o escândalo também pode mobilizar a base central de apoiadores do partido na Áustria.
Do outro lado do espectro político, milhares de manifestantes anti-governo se reuniram no centro da cidade de Viena no sábado, exigindo novas eleições.
O partido de ultradireita ainda pode se mostrar um grande obstáculo para a formação de uma nova coalizão, mais moderada, após as novas eleições previstas para o final deste ano.
Nem Strache nem Kurz responderam aos pedidos do Washington Post por comentários.
Série de escândalos
O chanceler de 32 anos repetidamente apoiou seus aliados de ultradireita no passado em meio a uma série de escândalos, provocando críticas de que sua abordagem estava encorajando a extrema-direita austríaca, embora o líder conservador sustentasse que ele repreendeu seu parceiro de coalizão quando foi necessário.
Seus críticos argumentam que a rápida ascensão de Kurz na política austríaca e seus esforços para chegar ao cargo resultaram em sérios erros, incluindo a decisão de entregar o controle do Ministério do Interior ao Partido da Liberdade após as eleições de 2017. O ministério é responsável por supervisionar a agência de inteligência doméstica responsável pelas investigações de extremismo islâmico e da direita radical.
Apenas alguns meses depois de assumir o controle, a polícia austríaca invadiu a agência de inteligência em 28 de fevereiro de 2018, apreendendo documentos que também incluíam detalhes sobre o partido, que enfrenta acusações de extremismo há décadas. Documentos fornecidos por agências parceiras estrangeiras também foram apreendidos e algumas dessas agências interromperam ou restringiram o compartilhamento de informações com seus colegas austríacos, pois temem que suas informações acabem nas mãos dos russos, que têm laços profundos com o Partido da Liberdade.
Meios de comunicação austríacos informaram no sábado que o controle do Ministério do Interior pela ultradireita se tornou o ponto de ruptura para a coalizão de direita, com Kurz supostamente pedindo para o Partido da Liberdade desistir do controle sobre a entidade e o partido se recusando a fazê-lo.
O partido e Strache, seu líder desde 2005, também são acusados de criar uma cultura na qual os extremistas se sentem seguros para expressar declarações xenófobas ou antissemíticas, dizem os críticos.
O Comitê Mauthausen da Áustria, uma associação que trabalha para preservar a memória do campo de concentração de Mauthausen-Gusen, na Áustria, contabilizou mais de 100 incidentes envolvendo oficiais do Partido da Liberdade envolvidos em atividades extremistas de direita desde 2013.
"O que é surpreendente é que tais 'casos isolados' não diminuíram, mas aumentaram desde que o Partido da Liberdade se tornou parte do governo", disse uma carta aberta endereçada a Kurz em 9 de abril, assinada pelo comitê, grupos judaicos e grupos contra o extremismo de direita, bem como sobreviventes de campos de concentração.
"A abordagem de um partido governista ao extremismo de direita é uma questão de princípio", continuou a carta aberta.
Mas, por fim, não foi a longa história de casos de extremismo do partido que resultou no colapso da coalizão, mas uma noite de bebedeira em Ibiza dois anos atrás.