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| Foto: Carlos Garcia Rawlins/Reuters

Opinião

Ame ou odeie o chavismo, o dilema dos venezuelanos

Célio Martins, editor de Mundo

Na Venezuela dos dias atuais não existe meio termo político: ou se é contra ou a favor do chavismo. Nas duas eleições que cobri no país, em 2010 e em 2012, era evidente a profunda divisão da sociedade venezuelana, um dos principais legados deixados pela era Chávez.

A Revolução Bolivariana – criada por Chávez – desde o início procurou colocar um divisor de águas. De um lado, o povo e a revolução; do outro, os ricos, os capitalistas, os "vendedores da pátria".

O resultado dessa política foi a radicalização. Ao passo que as classes menos favorecidas do país, beneficiadas pelas políticas de assistência social [assistencialistas para muitos], se uniram ao regime, outros segmentos foram excluídos, como grande parte do empresariado e da classe média alta.

A cisão chegou a tal ponto que os venezuelanos se veem hoje incapacitados para firmar um pacto de convivência. O desafio do próximo presidente, seja chavista ou da oposição, é reconciliar a sociedade venezuelana, único caminho para a construção da democracia no país.

Hugo Chávez (1954 - 2013)

"Se Deus me der vida e saúde, estarei com vocês até 2021. Chávez não partirá."

Hugo Chávez, ao lançar um movimento contra a limitação ao número de mandatos, em 2008

"Ontem o diabo esteve aqui. Bem aqui. E sinto o cheiro de enxofre hoje."

Sobre o ex-presidente dos EUA George W. Bush, na ONU, em 2006

"Você é o pai das revoluções neste continente, você é o nosso pai."

A Fidel Castro, em visita a Cuba, em 2007

"Dê-me sua coroa, Jesus. Dê-me sua cruz e espinhos, para que eu sangre. Mas dê-me a vida, porque tenho mais a fazer por este país e este povo. Não me leve ainda."

Chorando na Missa de Páscoa, em 2012

"O capitalismo é o caminho do diabo e da exploração."

Sobre o socialismo e o capitalismo, em 2006

"Juro diante do povo, diante desta Constituição moribunda, que promoverei as transformações democráticas necessárias."

Na posse, em 1999

"Vão para o inferno, ianques de merda; aqui temos um povo digno."

Depois de expulsar o embaixador dos EUA do país, em 2008

"Você é uma fraude, Obama."

Sobre o presidente dos EUA, Barack Obama, em 2011

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, um dos mais influentes e controversos líderes da América Latina nas últimas décadas, morreu ontem em Caracas, aos 58 anos, após lutar por 21 meses contra um câncer.

"Vamos acompanhá-lo até sua última morada abraçando-nos como uma família", anunciou na tevê, às lágrimas, o vice Nicolás Maduro, que informou que a morte aconteceu às 16h25 (17h55 de Brasília).

O desaparecimento de Chávez, provocado por uma doença sobre a qual o governo jamais divulgou detalhes, abre um período de incertezas na Venezuela. Nova eleição presidencial deve ser convocada em 30 dias, segundo a Constituição.

Maduro, escolhido herdeiro político pelo esquerdista, deve ser o candidato governista. A notícia foi recebida com consternação por seus apoiadores, que, nas últimas duas semanas, acompanharam com orações e vigílias os escassos informes médicos a respeito do estado de Chávez, internado no Hospital Militar de Caracas desde o dia 18.

Grande parte dos meses da luta contra o câncer, no entanto, ele passou na Havana do seu mentor Fidel Castro, onde foi tratado sob estrito controle de informação.

Ele recusaria ofertas de Dilma Rousseff e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para ser atendido no hospital Sírio-Libanês.

Em seus 14 anos de mandato, Chávez beneficiou-se de um crescimento econômico do petróleo, principal produto de exportação do país. Usou a estatal PDVSA para financiar programas sociais.

Os índices de pobreza caíram, mas à custa de alta na inflação. O presidente também foi acusado de autoritarismo, tomando medidas contra meios de comunicação críticos, por exemplo.

Ele morreu sem ter tomado posse em 10 de janeiro para o quarto mandato, depois da reeleição em outubro, para governar até 2019.

O esquerdista fez campanha, assessorado pelo marqueteiro brasileiro João Santana, dizendo-se curado.

Menos de dois meses depois, em 8 de dezembro, foi à tevê fazer um pronunciamento de que teria de se submeter à mais uma cirurgia contra o câncer em Cuba com riscos "inegáveis".

Chávez transformou o drama da doença num enredo de suspense e emoção, com lacunas informativas, momentos de júbilo milagroso, especialmente explorados pelos governistas nos últimos 86 dias de vida do presidente, num misto de preparação para o luto e mitificação na tevê.

Expulsão

Horas antes de anunciar a morte, Maduro deu mostras de que seguirá a retórica inflamada de seu ex-chefe: anunciou a expulsão de dois militares que atuavam na Embaixada dos EUA em Caracas acusados de "propor planos desestabilizadores" e acusou os "inimigos históricos" da Venezuela de "atacar" Chávez e provocar sua doença.

Cronologia Ascensão de Chávez na política começou em 1982, com o Movimento Bolivariano.

28.jul.1954 – Nasce Hugo Rafael Chávez Frías em Sabaneta, Venezuela

1971 – Aos 17 anos, Chávez entra para a Academia Militar da Venezuela, na qual se forma em 1975

Dez.1982 – Chávez funda o Movimento Bolivariano Revolucionário 200 (MBR200), com o objetivo de reformar o Exército e construir uma "nova república"

Fev.1992 – Fracassa numa tentativa de golpe de Estado contra o presidente Carlos Andrés Pérez e vai para a prisão, onde fica até 1994, quando recebe anistia

Dez.1998 – Com 56% dos votos, Chávez é eleito presidente prometendo acabar com a pobreza e a corrupção

1999 – Realiza referendo para estabelecer uma Assembleia Constituinte com a missão de escrever uma nova Constituição, depois aprovada em plebiscito

Jul.2000 – Chávez convoca eleições e é reeleito, para mais seis anos, com 56,9% dos votos

Abr.2002 – Sofre um golpe de Estado, é preso e, no dia seguinte, o líder empresarial Pedro Carmona assume o poder e dissolve os poderes do Estado. Dois dias após o golpe, Chávez é restituído

Dez.2006 – Chávez se reelege com 62% dos votos

Jan.2009 – Reeleição indefinida do presidente é aprovada como emenda à Constituição pela Assembleia Nacional, e depois reafirmada em referendo

Jun.2011 – De Havana, Chávez conta pela TV que tem câncer e que havia sido operado para a retirada de um tumor

Out.2012 – Com mais de 54% dos votos, é reeleito presidente da Venezuela

Dez.2012 – Chávez anuncia que retornará a Cuba para uma nova cirurgia e aponta, pela primeira vez, seu sucessor: o vice Nicolás Maduro

Fev.2013 – Volta para Caracas para seguir o tratamento após dois meses internado em Cuba

Ontem – Pela manhã, governo anuncia que sua situação é "muito delicada" com uma "nova e severa infecção". À tarde é anunciada a morte de Chávez.

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