Instalado na Venezuela há 25 anos, o chavismo sempre se apoiou em fraudes eleitorais para se manter no poder, e o ditador Nicolás Maduro, no poder desde 2013, acentuou isso.
As eleições presidenciais de domingo (28) foram precedidas por uma série de cerceamentos à oposição: aparelhamento ainda maior do Conselho Nacional Eleitoral (CNE); prisão de mais de cem apoiadores do candidato Edmundo González, que substituiu María Corina Machado, inabilitada politicamente; proibição de entrada na Venezuela de observadores internacionais convidados pela Plataforma Unitária Democrática (PUD), principal bloco contrário ao chavismo, para acompanhar o processo eleitoral; dificuldades para impedir os votos da diáspora venezuelana, hoje superior a 6 milhões de pessoas.
Depois que as urnas foram fechadas, começaram ações suspeitas, que fazem a oposição e grande parte da comunidade internacional denunciar fraude.
Os fiscais oposicionistas tiveram acesso negado a várias seções eleitorais e não puderam acompanhar a contagem de votos, e não receberam cópias das atas detalhando os votos por candidato em muitos locais.
Além disso, o CNE não divulgou parciais da apuração e informou apenas um resultado consolidado, que contrariou pesquisas eleitorais e um levantamento boca de urna, seis horas após o fechamento das urnas.
Nos outros pleitos em que Maduro foi “vencedor”, também houve indícios e acusações de fraude. Em 2013, quando o ditador venceu Henrique Capriles, este alegou mais de 3 mil irregularidades, como a presença de milícias em locais de votação intimidando eleitores e incompatibilidades nas atas de votação.
O CNE alegou que uma auditoria em 54% dos votos constatou que não havia divergências entre os votos digitais e em papel.
Capriles pediu uma auditoria nos 46% restantes, que incluísse análises detalhadas dos registros eleitorais, das assinaturas e impressões digitais dos eleitores, mas o CNE rejeitou a solicitação. O oposicionista recorreu ao Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) da Venezuela, que recusou o pedido.
Em 2018, devido ao histórico de fraudes do chavismo, a oposição repetiu o que havia feito nas eleições para a Assembleia Constituinte Venezuelana de 2017 e boicotou a eleição presidencial.
Em janeiro do ano seguinte, o Assembleia Nacional da Venezuela declarou os resultados do pleito inválidos e o deputado Juan Guaidó se autodeclarou presidente interino. Foi reconhecido por vários países, incluindo Brasil e Estados Unidos, mas sem poder de fato, seu mandato terminou no final de 2022.
Na eleição para a Assembleia Nacional de 2020, a oposição também boicotou o processo devido ao receio de fraude. O chavismo conquistou 253 das 277 cadeiras na casa.
Para o pleito presidencial deste ano, a oposição percebeu que boicotes a eleições e um governo paralelo não diminuíram em nada o poder chavista. Dessa forma, decidiu participar do processo e chegou a assinar com a ditadura o Acordo de Barbados em outubro do ano passado, para uma eleição livre e justa em 2024.
Porém, a confirmação da inabilitação de Machado, anunciada pelo TSJ no início do ano, apenas escancarou o que era previsto: Maduro, novamente, não ia concorrer de forma limpa.
Os meses seguintes e os fatos após o fechamento das urnas neste domingo comprovaram que o chavismo continua o mesmo e que eleições democráticas na Venezuela seguem sendo uma esperança inútil.
“Enquanto os órgãos estatais estiverem sob controle do chavismo, não podemos esperar que o resultado eleitoral vá ser correto ou respeitado. A falta de uma computação dos votos minuto a minuto, como acontece nos Estados Unidos, na União Europeia, é o maior exemplo de fraude. Vimos o fechamento do espaço aéreo, que é uma prévia de golpe, a proibição de entrada de pessoas relacionadas à oposição...”, disse Igor Macedo de Lucena, economista, doutor em relações internacionais e membro do think tank britânico Chatham House, em entrevista à Gazeta do Povo.
Com o CNE, as forças armadas, o Legislativo e o Judiciário nas mãos de Maduro, a oposição sozinha não terá forças para derrotar o chavismo, apontou o especialista.
“Eu só acredito que a Venezuela vai deixar de ser uma ditadura se houver uma revolta popular suficientemente forte, que se mobilize até mesmo contra os militares”, disse Lucena.
“Por mais que a União Europeia avance com sanções, junto com os Estados Unidos, a Venezuela ainda vai ter o apoio da China, da Rússia, esses países vão sustentar o regime. Ou ocorre uma mudança radical dentro da Venezuela, ou a situação nunca será alterada”, afirmou o especialista.
Apesar da desilusão com mais uma trapaça do chavismo, Lucena destacou que o processo eleitoral encerrado no domingo despertou uma mobilização maior do que em pleitos anteriores, o que indica que o descontentamento da população venezuelana com as fraudes eleitorais pode iniciar em breve uma movimentação por mudanças efetivas.
“São evidências fortes demais, até a pessoa mais humilde da Venezuela entendeu a fraude. Não foi algo feito como nas eleições passadas, as pesquisas de opinião e o sentimento das ruas foram muito claros”, afirmou.