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Venezuela

Chavismo usa ameaças para retomar Assembleia em eleição esvaziada

Cidadãos venezuelanos que vivem na Colômbia protestam contra as eleições legislativas da Venezuela que aconteceram em seu país, em Bogotá, em 6 de dezembro de 2020. (Foto: Raul ARBOLEDA / AFP)

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“Quem não vota, não come”, a frase de Diosdado Cabello, candidato e homem forte do chavismo, demonstra a repressão aos venezuelanos que vão às urnas hoje escolher 277 deputados entre mais de 14 mil candidatos. Os elegíveis são aliados de um governo que está há décadas no poder - e há apenas um punhado de nomes de uma pulverizada oposição.

O objetivo de Nicolás Maduro de retomar a Assembleia Nacional foi facilitado pelo boicote à eleição por parte da maior parte da oposição. Representantes de 27 partidos, entre eles grupos ligados a Leopoldo López, Henrique Capriles e Juan Guaidó, disseram que não participariam do processo e pediram que a comunidade internacional não reconheça os resultados da votação.

Embora líderes antichavistas tradicionais não sejam candidatos, alguns dos maiores partidos opositores participarão da eleição por terem sofrido mudanças em suas diretorias, determinadas pela Justiça, com a entrada de líderes mais dóceis ao regime, que haviam sido expulsos por terem feito acordos secretos com o governo.

Além do controle do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), que através de manobras já definiram o resultado, o governo de Nicolás Maduro tem o apoio de grupos paramilitares para coagir a população a votar.

“O ELN (Exército de Libertação Nacional) junto com (dissidentes) das ex-FARC têm a intenção de promover a participação cidadã no processo eleitoral. Como as pessoas não querem votar, a guerrilha ameaça, alegando que quem não participar perde a segurança que oferecem e também a comida subsidiada pelo governo. Eles intimidam a população a participar do processo eleitoral”, afirmou Javier Tarazona, presidente da FundaRedes, ONG venezuelana de direitos humanos.

Os grupos armados originários da Colômbia impõem as regras, sobretudo em regiões rurais da Venezuela. Moradora de uma “Misión Vivienda”, residências promovidas pelo chavismo, A. R. está “decepcionada com o governo”. Ela não quer votar, mas tem medo de perder os benefícios que recebe do Estado, entre eles a caixa de comida e os bônus familiares.

População ameaçada

“Os da UBCh (Unidades de Batalha Hugo Chávez, grupo de defesa da revolução), dão um papel com o nome da pessoa que temos de votar. O voto não é secreto. Ao lado da máquina, uma pessoa vê em quem votamos. Se votarmos em outro candidato, somos ameaçados”, diz a costureira, que por anos “votou em Chávez e Maduro”.

As ameaças ocorrem também dentro do aparato estatal. Iris Varella, ministra de Assuntos Penitenciários, afirmou que os funcionários serão demitidos caso não votem.

Em todo o país, centenas de pessoas reviram lixo em busca de comida. “Eu comparo os (membros) do governo com as crianças da rua, que estão magras, desnutridas, mal alimentadas, comendo lixo. Na verdade, eles não são crianças de rua. São crianças de casa, que se veem obrigadas a buscar a comida. Às vezes, conseguem para comer apenas uma vez ao dia. Os governantes estão bem alimentados, gordos e robustos enquanto o povo está morrendo de fome”, afirma A.R.

Na Venezuela, fazer as três refeições é quase um luxo. A cesta básica custa U$ 284. O atual salário mínimo vale menos que US$ 1. A moeda venezuelana concorre com a americana. No país, há uma dolarização de fato, mas o salário mínimo, pago em bolívares, é insuficiente para comprar um quilo de arroz.

Em novembro, o bolívar sofreu uma desvalorização de 104%, empurrado pela inflação acumulada que chegou a 3.045%, de acordo com a Comissão de Economia da Assembleia Nacional, ainda de maioria opositora. “Ou vota ou não têm direito para comer. Isso é um crime de extermínio. Oferecer comida em troca da coação ou da participação no processo eleitoral é um crime de lesa-humanidade”, afirma Tarazona.

Votar não é obrigatório na Venezuela. De acordo com o instituto Datanálisis, a “desconexão” entre os eleitores e os partidos fará com que a participação na eleição de hoje fique abaixo de 20%. Com o boné bordado com o nome de Maduro e carregando a mochila tricolor (distribuída pelos programas estatais), o pedreiro José Blanco conversou com a reportagem do Estadão em Caracas. Pelas roupas, ele parece chavista, mas seu discurso é contra o governo.

“Vou votar porque isso não pode continuar assim. Tem de haver mudança. O salário não serve para nada. O que o governo tem feito? Só pegam para eles, não pensam no povo. Temos direito de comer”, diz.

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