Olha Kyselova não era nascida quando a usina de Chernobyl explodiu em 1986, mas o desastre sempre esteve em sua vida. Seus pais eram "liquidadores", enviados para enfrentar a radiação e ajudar a limpar a área, removendo materiais letais. Depois eles mapearam pontos de radiação por mais de uma década.
Mas só depois que ela se sentou com eles em seu apartamento em Kiev para assistir a dramatização da HBO da pior catástrofe nuclear do mundo foi que ela finalmente decidiu ver o lugar com seus próprios olhos. Então ela reservou uma vaga na Chornobyl-Tour e se juntou a outros 44 turistas para conhecer o local de perto.
"Meus pais disseram que a série é muito precisa e por isso eu quis ver o local da tragédia e entendê-lo melhor", disse Kyselova, 24 anos, designer gráfica, quando o ônibus parou na entrada da zona de exclusão para apresentar a documentação.
Por mais conhecido que o caso seja, Chernobyl correu o risco de desaparecer na névoa do passado da Guerra Fria enquanto novas gerações crescem com seus próprios traumas. Para os ucranianos, é o conflito sempre presente com a Rússia. Para outros, são os ataques terroristas de 11 de setembro, o tsunami de 2004 ou o desastre nuclear mais recente em Fukushima.
Durante anos, o governo ucraniano lutou para manter a conscientização e arrecadar dinheiro para uma nova estrutura de contenção, que foi finalmente concluída em 2017. Agora, Chernobyl está atraindo uma nova onda de atenção. O passeio Chornobyl-Tour espera 150 mil reservas até o final da temporada, o dobro do número de visitantes no ano passado, em grande parte por causa do documentário em cinco partes da TV. Estatísticas do Google mostram um forte salto nas pesquisas por Chernobyl nas últimas semanas, inclusive na Ucrânia.
Ativistas antinucleares aproveitam a volta da alarmante história à atenção do público 33 anos depois, no momento em que Bulgária e República Tcheca, ex-países do bloco oriental, consideram a construção de novos reatores. Enquanto os formuladores de políticas lidam com o futuro da energia nuclear, o acesso à zona de exclusão de Chernobyl pode agitar a opinião pública o suficiente para despertar o debate sobre os riscos de longo prazo da tecnologia, dizem eles.
"As pessoas haviam se esquecido totalmente", disse Jan Haverkamp, especialista sênior em energia nuclear do Greenpeace em Amsterdã. "Mas a série trouxe o assunto novamente e estou muito feliz com isso."
O reator número 4 explodiu em 26 de abril de 1986, com apenas dois anos de idade. A explosão lançou escombros radioativos, incluindo material combustível e grafite a centenas de metros para o alto, fazendo com que áreas do interior do país a cerca de 115 quilômetros da capital, Kiev, se tornassem impróprias para habitação nos próximos 24 mil anos.
O número total de mortes causadas pelo desastre é desconhecido. O dado soviético oficial é de 31 pessoas, mas acredita-se que o número real tenha sido de milhares, se não milhões, de pessoas. As estimativas variam entre 4 mil e 27 mil, segundo a Union of Concerned Scientists, enquanto o Greenpeace calcula que entre 93 mil e 200 mil pessoas morreram como resultado do desastre.
Enquanto o governo soviético tentou imediatamente impedir o conhecimento público da explosão – incluindo entre seus próprios cidadãos – nuvens de gases e radiação se espalharam rapidamente pela Europa. A explosão levou a uma evacuação em massa da área, incluindo a agora abandonada cidade de Pripyat e pequenas aldeias que povoavam o que hoje é conhecido como a zona de exclusão.
Turismo na área do desastre
A maioria dos turistas no ônibus com Kyselova, vindos de países como Índia, Suécia, Irlanda e Estados Unidos, havia reservado a visita antes da estreia da série da HBO, que traça a história do desastre a partir do momento da explosão, passando pelos esforços de contenção e limpeza.
A excursão de um dia abrange Pripyat, um almoço ao estilo soviético, o sistema de radar de alerta precoce na floresta e a própria usina. Muitos descobriram a oportunidade por meio de posts em mídias sociais, de boca em boca ou em sites ucranianos de turismo, disse Olena Gnes, uma das duas guias que estavam levando os visitantes para ver os restos de uma casa de fazenda sendo devorada pela floresta.
"Eles estão curiosos, e por que?" disse Gnes. "Eles querem aprender, querem ver com seus próprios olhos que esta é uma parte importante da nossa história, não só para a Ucrânia, mas para todo o mundo. Eu ainda acho tudo muito assustador."
A maioria das pessoas que participaram do passeio de oito horas disse que acredita que há um lugar para a energia nuclear no mundo, à medida que as usinas de carvão e de petróleo se tornam mais indesejáveis. Muitos, como o engenheiro polonês Bartosz Tobaka, 29 anos, pensam que os atuais sistemas de tecnologia e segurança não permitirão que o que aconteceu em Chernobyl se repita.
Em Pripyat, a cidade que foi erguida na floresta para trabalhadores da usina e suas famílias em 1970, os visitantes viram a dura realidade de como um modo de vida foi mudado em um instante. Um antigo prédio da pré-escola ainda tem camas infantis com estruturas enferrujadas e cartilhas do primeiro ano espalhadas pelo chão, coberto de folhas.
"Estou sinto apenas calafrios", disse Robin Charlesworth, uma aposentada moradora de Houston (EUA) que veio com o marido do Texas a Kiev para se encontrar com colegas ucranianos e decidiu fazer uma viagem a Chernobyl.
Pripyat, que já foi uma comunidade movimentada de 47.500 moradores, está agora quase invisível por causa da mata que vai tomando conta.
O restaurante à beira do rio, com vitrais em estilo soviético, está coberto de musgo. A piscina interna vazia ecoa os passos tranquilos dos visitantes e o piso de parquet da quadra de basquete está rapidamente se deteriorando.
"Essa realmente é como uma cidade que o tempo esqueceu", sussurrou Paul Kelly, 39 anos, banqueiro, ao se aproximar de uma fileira de arquibancadas com ripas de madeira enegrecidas no alto do estádio de futebol.
O fundador da Chornobyl-Tour, Sergei Mirnyi, está engajado em ajudar a fazer com que a fábrica e a região ao seu redor sejam declaradas local protegido pela Unesco. Isso faria com que recursos fossem disponibilizados para proteger a área.
"É óbvio que Chernobyl é um evento de importância global, muito significativo e muito simbólico", disse Mirnyi. "Ele abriu uma nova página na história da nossa civilização."
Como outros, Kyselova estava aberta à possibilidade de energia nuclear segura. Após a visita, que terminou em frente ao abrigo de contenção que se eleva cerca de 35 andares acima da planta fechada, ela mudou de ideia.
"Eu simplesmente não consigo imaginar toda a emoção que essas pessoas experimentaram na época", disse Kyselova. "Temos que encontrar outra coisa."