A notícia de que o Produto Interno Bruto (PIB) da China ultrapassou o do Japão no segundo trimestre deste ano, tornando-se a segunda maior economia do mundo, atrás apenas dos EUA, é para muitos um atestado de sucesso do modelo econômico chinês. Esse crescimento vem acompanhado de mudanças profundas na estrutura da sociedade chinesa, que em breve deve ter mais da metade de sua população morando em cidades.
Para a Academia Chinesa de Ciências Sociais, a metade da população da China estará nas cidades dentro de dois ou três anos. Outras fontes esticam o prazo até 2025. Seja agora ou daqui há dez anos, a realidade é que a urbanização do país comunista está acontecendo em ritmo nunca antes registrado. Hoje, mais de 46% dos chineses vivem em cidades, contra apenas 26% em 1990.
O aumento da taxa de urbanização chinesa provou o fenômeno do surgimento de grandes metrópoles. Existem atualmente 16 cidades com mais de 5 milhões de habitantes espalhadas pelo país.
Mão de obra
A veloz urbanização, no entanto, pode dar uma falsa impressão de que em breve haverá pouca gente no campo chinês. "A população rural chinesa continuará sendo a maior do mundo", lembra o diretor do Instituto Brasileiro de Estudos de China e Ásia-Pacífico (Ibecap), Severino Cabral.
São mais de 700 milhões de habitantes hoje na zona rural, um grande contingente à disposição nos momentos de pico de crescimento. Um estudo da Universidade Harvard mostra que, todos os anos, o campo chinês tem um excedente de mão de obra disposto a migrar para as cidades de 20 a 25 milhões de pessoas.
"Por mais uns dez anos, o país ainda terá fôlego para utilizar esse excedente", prevê o professor de Desenvolvimento Econômico da UFPR Fábio Scatolin. Depois disso, segundo o professor, ficará difícil crescer tão rapidamente.
Uma das estratégias para o melhor "aproveitamento" desse banco de trabalhadores é uma política de Estado de controle rígido sobre o êxodo rural, e a possibilidade de reenviar migrantes ao campo em momentos de desemprego.
Isso aconteceu após a crise financeira de 2008, quando cerca de 20 milhões de chineses perderam o emprego em fábricas, e muitos voltaram para casa.
Para controlar o fluxo do êxodo, o governo concede documentos aos moradores "legalizados" da cidade, espécie de salvo-conduto necessário para ser contratado por qualquer empresa ou para alugar imóvel. Quem fizer negócio com um ilegal pode ser preso, e pedintes e prostitutas, se capturados, são "devolvidos à origem".
"Agora está mais difícil controlar os indigentes porque a crise financeira deixou 20 milhões de desempregados. Eles têm recebido permissão para atuar como vendedores ambulantes, porque expulsá-los acabaria numa crise social muito grande", diz o brasileiro Paulo Custódio, que mora em Pequim, onde é consultor de sustentabilidade da Energy Foundation.
Interiorização
Apesar de nos últimos 30 anos as principais regiões a se desenvolver terem sido litorâneas, próximas às zonas de exportação, há alguns anos o governo estimula a interiorização. Uma das estratégias é a construção de obras de infraestrutura para servir os novos polos, como é o caso da hidrelétrica de Três Gargantas (veja no mapa).
É claro que, distante das metrópoles modernas e coloridas, a qualidade de vida no campo é mais baixa, e muitos chineses ainda vivem com pouco mais que o necessário para sobreviver.
Uma das preocupações é convencer as autoridades chinesas a incluir a sustentabilidade entre as prioridades de seu desenvolvimento urbano. Esse é o trabalho da ONG para a qual Paulo Custódio trabalha. "Do jeito que eles fazem cidades, os chineses terão um custo muito alto no futuro: não irão suportar o custo da energia, da poluição e de seus congestionamentos."