As relações entre China e Estados Unidos chegaram a um ponto crítico em meio à pandemia do novo coronavírus, com a Casa Branca acusando Pequim de encobrir a origem da pandemia e de permitir que o vírus se espalhasse pelo mundo. Em meio a essa crise, a China procura aumentar a sua influência em assuntos das regiões autônomas de Hong Kong, Taiwan e Macau, intensificando a sua campanha de diplomacia agressiva.
Hong Kong
A pandemia de Covid-19 não parou os protestos pró-democracia em Hong Kong, mas o governo central da China está trabalhando para abafá-los. E Carrie Lam, líder pró-Pequim, está fazendo o que pode para seguir as diretrizes do governo central da China.
Na semana passada, a líder executiva de Hong Kong proibiu a realização de protestos, citando medidas de distanciamento social por causa do novo coronavírus, mas isso não impediu que uma multidão se reunisse em shopping centers da cidade para pedir pela independência de Hong Kong. Então, sob ordens dela, a polícia deteve cerca de 200 pessoas, inclusive uma menina de 12 anos. Pelo menos 18 ficaram feridas na ação, segundo o jornal The Guardian.
Os protestos foram impulsionados por uma nova tentativa de Pequim de exercer sua influência sobre a política da cidade semi-autônoma. O Partido Comunista da China está pressionando os legisladores honcongueses a aprovar duas leis controversas que poderiam diminuir a liberdade de expressão na ilha, ameaçando a existência de protestos e podendo qualificá-los como atos de subversão ao governo central.
Uma delas trata sobre a criminalização do desrespeito ao hino nacional chinês. Se aprovada, quem for flagrado fazendo mau uso ou insultando a Marcha dos Voluntário vai ter que pagar uma multa de cerca de U$ 6,5 mil e pode ser condenado a até três anos de prisão. A proposta legislativa chegou a ser motivo de uma briga, com direito a empurrões, correria e ameaças de socos, entre os parlamentares pró-democracia e pró-Pequim na semana passada. Apesar dos esforços da oposição para atrasar o andamento da tramitação, o projeto continua na pauta do Conselho Legislativo, o parlamento da cidade, e deve ser discutido ainda neste mês.
Pequim também está pressionando para que Hong Kong aprove com urgência um conjunto de leis que deve servir para garantir a segurança nacional da China e conter os protestos pró-independência. Essas leis, arquivadas desde 2003, implementariam o artigo 23 da Lei Básica (constituição) de Hong Kong, o qual prevê que o governo de Hong Kong deve promulgar leis "para proibir qualquer ato de traição, secessão, sedição, subversão contra o governo central". O trâmite dessas leis foi paralisado em 2003 após protestos em massa.
O principal representante de Pequim em Hong Kong, Luo Huining, disse no mês passado que era preciso aprovar as leis de segurança nacional o quanto antes, alegando que o movimento pró-democracia é um "grande golpe" para o Estado de Direito da China, ameaçando o princípio "um país, dois sistemas" de Hong Kong. Esse movimento, segundo ele, foi influenciado por forças radicais violentas, estrangeiras e pró-independência.
Críticos de Pequim, porém, afirmam que esse conjunto de leis podem ter um efeito negativo sobre as liberdades civis na cidade semi-autônoma.
A independência do judiciário em Hong Kong também está ameaçada. Reportagem da agência de notícias Reuters, que ouviu três dos mais experientes magistrados da cidade, revelou que o sistema judicial está sob crescente pressão das lideranças do Partido Comunista em Pequim, que quer garantir que o Estado de Direito sirva como uma "ferramenta para preservar o regime de partido único" na China.
A crescente intervenção do governo de Xi Jinping sobre os assuntos de Hong Kong não para por aí. No mês passado, quando a polícia honconguesa prendeu 15 reconhecidos ativistas pró-democracia, o escritório de Pequim em Hong Kong emitiu um comunicado afirmando que tem direito de monitorar e lidar com os assuntos de Hong Kong e que "um alto grau de autonomia [da cidade] não significa completa autonomia".
O artigo 22 da miniconstituição de Hong Kong prevê que nenhum departamento do governo central chinês "pode interferir nos assuntos administrados pela região administrativa especial de Hong Kong". Porém, o escritório afirmou que sua autoridade não é regida pelo artigo 22 e está garantida na Lei Básica de Hong Kong e na constituição da China.
Carrie Lam, a líder executiva da cidade, abraçou a agenda de Pequim e parece não demonstrar receio de uma nova onda de protestos, como os que surgiram no ano passado depois que seu governo tentou aprovar uma lei que permitiria extradição de honcongueses para a China continental. Recentemente ela prometeu reformar o sistema de educação da cidade, que ela acusa ser a fonte dos protestos.
Em entrevista à Bloomberg, Anson Chan, que foi o segundo oficial mais importante de Hong Kong durante a transição do domínio britânico para o chinês, conclui que Carrie Lam e sua equipe já cederam a Pequim e "desistiram de fingir que estão no controle e de fingir que estão ajudando Hong Kong a defender 'um país, dois sistemas'".
Macau
Em Macau, o domínio do governo central chinês é muito mais amplo. A região autônoma, por exemplo, já adotou as leis de segurança nacional que Hong Kong está evitando discutir. Porém, isso não impede o Partido Comunista Chinês de ampliar sua influência e fazer exercer seu poder de censura por lá também.
Neste ano, as autoridades de Macau proibiram a "Exposição Fotográfica do Movimento de Democratização de 1989", que relembra o Massacre da Praça da Paz Celestial, ocorrido em 4 de junho de 1989. Essa exposição ocorre anualmente há mais de 20 anos em vários pontos de Macau, mas na semana passada o governo local revogou a permissão do evento, organizado por políticos pró-democracia.
O Instituto para Assuntos Municipais de Macau (IAM) alegou que a exibição foi cancelada devido às medidas de prevenção contra o novo coronavírus, embora isso não tenha sido mencionado na carta de revogação enviada aos organizadores do evento.
O que reforça a hipótese de se que tratou de uma decisão política – e não de saúde – é que o órgão responsável havia liberado a realização do evento em abril. Além disso, apesar da proximidade com a China, Macau registrou apenas 45 casos de Covid-19 e já está afrouxando as medidas de isolamento social. As aulas, por exemplo, devem recomeçar no início de junho.
"O governo de Macau deve pensar o que é que está a fazer à liberdade de expressão", disse Ng Kuok Cheong, deputado pró-democracia e membro da associação União para o Desenvolvimento Democrático de Macau.
Taiwan
Taiwan está em uma posição completamente diferente. A nação se considera independe da China continental, enquanto o governo central reconhece a ilha como uma província chinesa. É governada por forças anti-Pequim. Por isso, para fazer valer a sua autoridade sobre Taiwan, a China precisa usar de outras armas.
Um relatório do governo americano revelou recentemente que o Partido Comunista está intensificando uma campanha de pressão militar e diplomática contra Taiwan.
Mesmo em meio à pandemia, aeronaves militares chinesas cruzaram a linha que divide China e Taiwan por três vezes nos primeiros meses de 2020. Em 2019 isso ocorreu apenas uma vez. Em fevereiro, forças do Exército de Libertação Popular (PLA) fizeram um exercício militar durante dois dias com voos ao redor da ilha. Em abril, um porta-aviões chinês navegou perto de Taiwan.
A intensificação da pressão militar contra a nação já estava prevista no plano militar da China para os próximos anos, apresentado em 2019. Um dos objetivos do chamado Livro Branco é "derrotar separatistas" e "conter a independência de Taiwan". Há, inclusive, um movimento nacionalista crescente na China continental que defende a invasão de Taiwan.
A crise de saúde desencadeada pelo novo coronavírus também serviu como uma oportunidade de isolar Taiwan do resto mundo. A China está ameaçando cortar laços econômicos com os países que estão defendendo a participação de Taiwan nas reuniões da Organização Mundial da Saúde (OMS). O poder econômico é usado constantemente para impedir que outros países reconheçam Taiwan como uma nação independente – atualmente apenas 14 países o fazem, o mais importante deles é o Paraguai.
Porém, em mais uma demonstração de antagonismo à China, o governo dos Estados Unidos passou a defender veementemente a participação de Taiwan na OMS. No relatório da Comissão de Revisão Econômica e de Segurança EUA-China, bipartidária, os norte-americanos afirmam que a exclusão de Taiwan da organização de saúde vinculada às Nações Unidas (ONU) compromete a saúde dos 23 milhões de habitantes da ilha e limita o acesso dos membros da OMS a informações cruciais sobre saúde pública, já que Taiwan tem se mostrado um exemplo de resposta à pandemia de Covid-19, com apenas 440 casos e sete mortes. Segundo os EUA, a OMS reforça a pressão sobre Taiwan ao privar o governo insular de informações importantes sobre o novo vírus.
Países menores também decidiram apoiar Taiwan, mas já estão sendo pressionados por Pequim. A Nova Zelândia declarou ser a favor da participação de Taiwan nas reuniões da OMS como membro observador, como já ocorreu em anos anteriores, mas se deparou com uma resposta ríspida do governo central chinês. Nesta segunda-feira (11), o porta-voz do Ministério das Relações exteriores da China, Zhao Lijian, disse que os comentários das autoridade neozelandesas violavam o princípio "uma só China".
"Expressamos nossa forte insatisfação com as declarações e nos opomos resolutamente a isso, e já fizemos representações severas com a Nova Zelândia", disse Zhao. "A China insta a Nova Zelândia a cumprir rigorosamente o ‘princípio uma só China’ e imediatamente parar de fazer declarações erradas sobre Taiwan, para evitar danos à nossa relação bilateral", completou.
Com colaboração de Helen Mendes.
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