Um movimento feminista independente do Partido Comunista Chinês começou a ganhar força na China em 2012| Foto: Pixabay
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“Os tempos mudaram ... hoje homens e mulheres são iguais”, disse há mais de meio século Mao Tse-tung, líder da revolução comunista na China. “O que quer que os camaradas possam realizar, as camaradas também podem”. O discurso igualitário foi usado para incentivar a força de trabalho feminina, essencial no desenvolvimento econômico do país. Mas ao passo em que o regime comunista proporcionou mais educação às mulheres e acesso ao mercado de trabalho, também forçou mulheres a abortar ou abandonar seus bebês – a maioria meninas, já que há uma preferência profundamente arraigada por filhos homens na sociedade chinesa – com sua política abusiva de “filho único”.

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O governo chinês continua defendendo a igualdade entre os gêneros, mas sua retórica está cada vez mais incoerente. A China vem caindo posições em um ranking global que avalia essa questão: ficou em 106º lugar em 2020, quando cinco anos antes estava em 91º. O quesito "acesso à saúde" é um nos quais a desigualdade entre homens e mulheres na China se apresenta de modo mais intensa.

A igualdade também não chegou à política. Segundo um levantamento realizado pelo Instituto EUA-China da Universidade do Sul da Califórnia, em março deste ano, o principal órgão de comando do Partido Comunista, o Comitê Permanente do Politburo do Partido Comunista Chinês, composto por sete membros e do qual Xi Jinping é secretário-geral, nunca teve participação feminina. Dos 25 membros do Politurbo, apenas uma é mulher. A participação feminina no Congresso é maior: 25% dos 2.953 deputados.

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Rory Truex, especialista em política chinesa da Universidade de Princeton, disse em entrevista ao South China Morning Post que, apesar da participação no legislativo ser maior do que em muitas democracias, as mulheres não fazem parte do círculo político que toma as decisões na China. “O padrão geral é que você vê mulheres, minorias e outros grupos marginalizados com acesso a instituições como o NPC [Congresso Nacional da China]..., mas para os verdadeiros órgãos de poder, há uma barreira invisível. Elas não têm acesso a posições reais de poder”.

“O Partido Comunista Chinês tem um histórico de priorizar pragmaticamente os interesses dos homens em relação aos das mulheres, mesmo quando deu passos importantes para corrigir as hierarquias de gênero”, escreveu Eileen Otis, especialista em sociologia e professora na Universidade de Oregon, em um artigo de 2015 para o The Conversation.

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Movimento feminista

Na China, as pautas feministas por igualdade, de uma maneira geral, quase sempre estiveram ligadas ao Partido Comunista. Mas há cerca de 10 anos um movimento espontâneo e descentralizado começou a atuar na China, por meio das redes sociais principalmente, reivindicando, entre outras pautas, o fim do assédio sexual, da violência doméstica e da desigualdade.

Mas mesmo que as ativistas estivessem, muitas vezes, demandando coisas que supostamente estariam alinhadas às políticas de igualdade do governo, o Partido Comunista viu com maus olhos essa capacidade de organização do movimento. Desde então houve algumas prisões de ativistas, censura na internet e perseguição nas redes sociais por parte de usuários nacionalistas.

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Em 2015, por exemplo, cinco feministas chinesas ficaram presas por 37 dias porque estavam planejando distribuir folhetos no metrô para aumentar a conscientização dos usuários do transporte público sobre assédio sexual, no Internacional da Mulher – o que gerou um grande repúdio internacional. Em 2018, quando o movimento #Metoo emplacou no Ocidente, na China as ativistas dos direitos das mulheres tinham que ser criativas para burlar a censura das redes sociais.

No mês passado, dez fóruns sobre feminismo foram fechados na rede social Douban, uma popular plataforma chinesa que permite discussões online sobre diversos temas. Segundo a empresa, esses fóruns promoviam visões políticas e ideológicas “radicais” e “extremas” ao se referirem a um movimento feminista de origem sul-coreana conhecido como “6B4T”, que rejeita, entre outras coisas, o casamento, a ideia de ter filhos e até mesmo relações sexuais com homens.

O Weibo, uma popular rede social chinesa, baniu da plataforma pelo menos 20 ativistas feministas chinesas nas últimas semanas. Segundo a CNN, o bloqueio das contas ocorreu depois que elas foram acusadas por outros usuários de serem “traidoras” e “separatistas”. O Weibo justificou sua decisão dizendo que havia recebido denúncias de outros usuários sobre postagens que “incitavam confronto em massa”, entre outras reclamações.

“Essas plataformas online estão cientes da preferência do governo, então tendem a restringir os movimentos feministas”, disse Lu Pin, proeminente feminista chinesa que vive em Nova York, ao Voice of America Mandarin.

O surgimento desse movimento feminista independente, formado geralmente por jovens com diploma universitário, coincidiu com uma mudança na política de controle da natalidade na China. Quando Xi Jinping chegou ao poder, a política do filho único foi flexibilizada e iniciou-se uma campanha governamental na direção oposta, que incentiva as mulheres a se casarem e terem filhos.

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Isso porque a taxa de nascimentos no país está no pior nível de décadas e a força de trabalho, essencial para que a China possa continuar crescendo economicamente, está diminuindo. Uma reportagem do Financial Times, publicada no fim de abril, dizia que, pela primeira vez em cinco décadas, a população da China estava diminuindo – entre 1958 e 1962 na China, devido a políticas de Mao Tsé-Tung que levaram os chineses a níveis extremos de fome, milhões de chineses morreram. O governo chinês negou, dizendo que sua população cresceu em 2020, mas o atraso na publicação dos dados do censo – que finalmente serão publicados na terça-feira (11) – gerou ainda mais especulações sobre os dados demográficos.

Preocupado com esse declínio populacional, o governo chinês há anos vem conduzindo propagandas para incentivar jovens entre 20 e 30 anos a se casar e ter filhos, muitas vezes atribuindo a elas o estigma de mulheres que estão “sobrando”, aumentando uma pressão que já existia sobre elas no próprio convívio familiar.

“A propaganda pró-casamento e pró-natalista do governo dirigida às mulheres chinesas [da etnia] han só se tornou mais intensa, à medida que os legisladores continuam a ver as mulheres principalmente como ferramentas reprodutivas para realizar os objetivos de desenvolvimento da nação”, escreveu para o site Politico a feminista chinesa Leta Hong Fincher, autora de “Betraying Big Brother: The Feminist Awakening in China” (Traindo o Grande Irmão: o despertar feminista na China, em tradução livre).

Portanto, há um entendimento entre nacionalistas de que quando feministas usam a internet para defender que não querem se casar ou ser mães, elas estariam agindo contra os interesses nacionais – e por isso são perseguidas e banidas de redes sociais que operam sob a influência do Partido Comunista.

A repressão às feministas não se compara com a brutalidade que vem sendo empregada contra os uigures ou os defensores da democracia em Hong Kong. Mas a censura a essas jovens feministas indica que o Partido Comunista está incomodado, tanto pelas pautas quanto pela capacidade de mobilização desse movimento nas redes sociais.

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"Ser capaz de mobilizar as pessoas é um tabu para o Partido Comunista Chinês. Na China, apenas o governo pode mobilizar as pessoas, então qualquer causa que resulte em aglomeração é vista como uma ameaça à sua decisão”, disse a professora Shen Hsiu-hua, da National Tsing-Hua University em Taiwan, ao Voice of America. “É por isso que o governo quer cortar o mal pela raiz”, concluiu.

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