A Administração do Ciberespaço da China (CAC, na sigla em inglês) ordenou a remoção do Didi, o aplicativo de carona mais usado no país e dono da 99, das lojas de apps para smartphones neste fim de semana, apenas três dias depois que a empresa fez sua oferta pública inicial (IPO) no mercado de ações americano.
De acordo com o órgão regulador da internet na China, o Didi está sendo investigado por “graves violações de leis e regulamentos na coleta e uso de dados pessoais”, segundo informou o jornal chinês Global Times. A decisão do governo fez com que as ações da Didi caíssem 25% na bolsa de Nova York no começo desta terça-feira. Investigações semelhantes foram abertas contra a Boss Zhipin, plataforma de busca de empregos da Kanzhun, e contra os aplicativos de transporte de carga Yunman e Huochebang, que também viram o preço de suas ações baixarem.
Em um editorial do Global Times publicado nesta semana, o tabloide estatal chinês destacou que apesar de o aplicativo Didi (dono da 99) ser amplamente popular na China, com participação de 80% neste mercado, as ações do governo chinês contam com amplo apoio popular, afirmando que “muitas pessoas suspeitam que certas empresas de Internet coletaram muitas informações pessoais”.
Multas e penalizações às big techs chinesas começaram a se propagar no ano passado. Analistas apontam uma mudança no comportamento de Pequim, que passou de ter uma postura mais permissiva em relação às empresas de tecnologia – o que permitiu a elas um crescimento sem muitas amarras – para ser mais incisivo nas regulamentações.
Com a nova lei de segurança de dados que deve entrar em vigor em setembro, Pequim terá mais uma ferramenta para colocar as gigantes contra a parede.
“O governo não permitirá que os gigantes da Internet se tornem criadores de regras de coleta e uso de dados. Os padrões devem estar nas mãos do governo para garantir que as companhias gigantes sejam contidas ao coletar dados pessoais e se ater ao princípio da minimização”, diz o editorial, acrescentando que “nenhum gigante da Internet pode se tornar um super banco de dados que tenha mais dados pessoais sobre o povo chinês do que o país, muito menos usar os dados como quiser”.
Além de serem gigantes da internet, essas empresas têm em comum o fato de que estão listadas no mercado de ações norte-americano e possuem em seu quadro de investidores empresas estrangeiras. Isso aumenta a preocupação dos reguladores chineses quanto à proteção de dados pessoais e dados relativos à segurança nacional.
Lei de segurança de dados
A lei de segurança de dados, aprovada pelo Congresso chinês no mês passado, prevê multas pesadas e até fechamento para companhias que transferirem dados considerados de interesse do Estado para outros países – após ser requisitado por via judicial, por exemplo – sem aprovação do governo.
“Os dados são o recurso estratégico básico de um país. Sem segurança de dados, não há segurança nacional”, disse a CAC em um comunicado publicado no mês passado.
Contudo, a definição do que pode ser enquadrado como “dados importantes” para o governo chinês é bastante ampla, segundo analistas, incluindo “todos os dados que dizem respeito à segurança nacional e econômica, ao bem-estar das pessoas e aos interesses públicos importantes”, segundo informou um porta-voz do Congresso Nacional do Povo.
A legislação também exige que as companhias melhorem suas práticas de proteção de dados e prevê multas de até dois milhões de yuans para as que falharem e causarem vazamentos de dados em larga escala.
Outra proposta legislativa que está para ser aprovada busca limitar como as companhias privadas lidam com os dados pessoais dos usuários. Contudo, conforme notou o Wall Street Journal, o texto não restringe entidades estatais de coletar informações sobre registros de chamadas, listas de contatos, localização e outros dados das pessoas.
“A coleta de dados menos invasiva do setor privado em qualquer lugar é uma coisa boa”, disse ao Journal o analista Ryan Fedasiuk, do Centro de Segurança e Tecnologia Emergente da Universidade de Georgetown. “Mas a pressão da China para a privacidade de dados me parece mais um movimento para fortalecer o papel do governo e do partido em relação às empresas de tecnologia”.
As regulamentações também são vistas como uma forma de controle social sobre os gigantes da internet. “Não importa se é a lei antitruste ou a lei anti-concorrência desleal, para o governo essas [leis] são todas ferramentas de governança social. Todas servem para o estabelecimento de padrões de comportamento, e o que for mais eficaz será usado”, disse Wei Shilin, advogado do escritório de advocacia Dentons, ao jornal Financial Times, no mês passado.
Sem críticas ao partido
Os empresários das gigantes da internet na China precisam seguir as regras do Partido Comunista para que suas empresas tenham sucesso. Eles precisam ter as prioridades do Estado como suas e não podem criticar publicamente o Partido Comunista Chinês.
Em outubro do ano passado, Jack Ma, fundador da gigante do comércio online Alibaba, fez críticas contundentes a autoridades chinesas em um discurso, o que levou Xi Jinping a suspender a oferta pública inicial de US$ 37 bilhões do ramo fintech do grupo Alibaba, o Ant Group. Na época, a imprensa especializada disse que Xi não tolerava grandes negócios privados que acumulam fortuna e poder, porque eles ameaçam a sua autoridade.
O projeto econômico de Pequim para os próximos cinco anos, divulgado em março, ressaltou que é preciso fortalecer o controle do governo sobre os dados das empresas privadas; em parte porque as autoridades temem que essas empresas compartilhem dados com parceiros de negócios estrangeiros, o que poderia colocar em risco a segurança nacional.
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