Um grupo de especialistas independentes vinculado às Nações Unidas pediu esclarecimentos ao governo chinês depois de receber denúncias confiáveis de que minorias étnicas e religiosas são alvo de "colheitas de órgãos" forçadas nas prisões chinesas.
Na China, até 2015, a maioria dos órgãos transplantados vinha de prisioneiros que, segundo o governo chinês, concordavam em doá-los. Após críticas internacionais, as autoridades chinesas disseram que a prática foi abolida, mas especialistas acreditam que a "colheita de órgãos" ainda ocorra.
De acordo com uma nota publicada no começo desta semana no site do Escritório do Alto Comissariado para Direitos Humanos da ONU, mais de uma dezena de especialistas afirmam que receberam informações confiáveis de que detidos de minorias étnicas ou religiosas – como os praticantes do Falun Gong, tibetanos, uigures, muçulmanos e cristãos – podem estar sendo submetidos à força a exames de sangue e exames de órgãos, como ultrassom e raios-x, sem seu consentimento informado, enquanto outros presos não são obrigados a se submeter a tais exames. Os resultados dos exames, disseram, são registrados em um banco de dados de fontes de órgãos vivos que facilitam a alocação de órgãos.
"A extração forçada de órgãos na China parece ter como alvo minorias étnicas, linguísticas ou religiosas específicas mantidas em detenção, muitas vezes sem que sejam explicados os motivos da prisão ou dos mandados de prisão, em diferentes locais", afirmaram os especialistas, liderados por Siobhán Mullally, relatora especial da Comissão de Direitos Humanos da ONU sobre tráfico de pessoas. "Estamos profundamente preocupados com relatos de tratamento discriminatório de prisioneiros ou detidos com base em sua etnia e religião ou crença".
Eles citam ainda que há relatos de famílias de presos executados que são impedidas de reivindicar os corpos de seus entes queridos.
A Gazeta do Povo fez um pedido de comentário à embaixada da China no Brasil, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria. Em ocasiões anteriores, a China sempre negou as acusações.
Em resposta às denúncias, Liu Yuyin, porta-voz da missão chinesa na ONU, condenou a "desinformação" e "calúnia" dos especialistas. "A China se opõe veementemente e rejeita categoricamente as acusações", disse o porta-voz em um comunicado.
"Estamos profundamente alarmados que os detentores de mandato do procedimento especial em questão, sem capacidade de raciocínio rudimentar e julgamento, tenham caído nessas mentiras grosseiras", acrescentou.
Os especialistas "ignoraram as informações oficiais fornecidas pelo governo chinês e optaram por aceitar a desinformação fornecida pelas forças separatistas anti-China e pelo culto maligno Falun Gong", criticou Liu, que disse ainda que a China é um país sob o estado de direito e que o comércio de órgãos humanos e o transplante ilegal de órgãos são "estritamente proibidos por lei" no país.
Liu pediu aos especialistas da ONU que "corrijam imediatamente seus erros, descartem o preconceito contra a China, parem de difamar a China... e ajam de maneira imparcial e objetiva".
Não é a primeira vez que a China é acusada de realizar coletas forçadas de órgãos de prisioneiros. Em 2019, um tribunal independente localizado em Londres concluiu que o país continua permitindo a morte de presos políticos para usar os órgãos deles para transplantes, após juntar relatos de médicos e investigadores dos direitos humanos. As principais evidências reunidas pelo tribunal são estimativas de um alto número de transplantes, muito maior do que as estatísticas oficiais, do curto tempo de espera por um transplante e testemunhos de ex-detentos. Há relatos de remoção de órgãos de pessoas vivas, que foram mortas no procedimento.
Em anos anteriores, grupos independentes de relatores da ONU também alertaram sobre a prática, mas "as respostas do governo careciam de dados", como informações sobre as fontes dos órgãos usados nos transplantes que ocorrem no país. "A falta de dados disponíveis e de sistemas de compartilhamento de informações é um obstáculo para a identificação e proteção bem-sucedidas das vítimas de tráfico e para a investigação e ação penal eficazes contra os traficantes", diz a nota publicada no portal da ONU.
De acordo com os especialistas, os órgãos mais comuns removidos dos prisioneiros são, segundo as denúncias, coração, rins, fígado, córneas e, menos comumente, partes de fígado. "Essa forma de tráfico de natureza médica supostamente envolve profissionais do setor de saúde, incluindo cirurgiões, anestesistas e outros especialistas médicos".
Tribunal popular investiga abusos contra uigures
Um tribunal popular em Londres deu início na semana passada a uma investigação sobre as acusações de crimes contra os uigures na China. O painel de nove membros, composto por advogados e acadêmicos, teve as primeiras audiências nos dias 4 a 7 de junho.
O tribunal não é endossado pelo governo britânico, mas pode gerar ações mais diretas das autoridades, explicou o ativista de direitos humanos Luke de Pulford, fundador da Coalition for Genocide Response, ao Voice of America.
A China criticou o tribunal como uma "farsa". Um artigo no jornal estatal China Daily afirma que as audiências não ocorrem sob a tutela do Tribunal Penal Internacional e nem do Tribunal Internacional de Justiça.
Em dezembro passado, o Tribunal Penal Internacional disse que não investigaria o caso porque estava fora de sua jurisdição, já que a China não é um Estado membro. Já o Tribunal Internacional de Justiça investiga apenas disputas legais entre Estados submetidas por eles à corte e oferece aconselhamento legal quando solicitado pela ONU e outras agências.
A China nega que os abusos estejam ocorrendo. "Diante da proliferação de atrocidades terroristas perpetradas por separatistas que causaram inúmeras mortes e desestabilizaram a região, foi necessário iniciar um programa de desradicalização", diz o artigo. O objetivo do programa seria "reeducar pessoas em risco de doutrinação" e fornecer "tratamento de reabilitação".
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