Especialistas em política internacional concordam que uma transição de poder previsível na Coreia do Norte, após a morte do excêntrico ditador Kim Jong-Il, dependerá das duas forças políticas que possuem poderes no hermético regime comunista e influência sobre Pyongyang: os militares e a China.
Os militares norte-coreanos formam uma casta fechada, que tende a se alinhar com a família Kim, que governa o que hoje é a Coreia do Norte desde 1948. Já o governo chinês é o único aliado externo da Coreia do Norte, interlocutor de Pyongyang com a comunidade internacional e compartilha, pelo menos na teoria, a mesma doutrina política que seus vizinhos.
Uma reaproximação com a Coreia do Sul, com vistas a uma futura reunificação, é vista como improvável. Pelo menos, a curto e médio prazos.
Mais incerto ainda é como será um governo de Kim Jong-un, filho mais novo de Kim Jong-il e sacramentado como seu sucessor no ano passado, após os dois filhos mais velhos do ditador terem sido preteridos pelo politburo de Pyongyang.
"O ponto principal na questão coreana é a transição de poderes. Se a família Kim se mantiver no comando, haverá estabilidade interna, embora a política externa continue errática. Se a família perder o poder, ocorrerão lutas políticas internas, talvez violentas", afirma o professor de relações internacionais Heni Ozi Cukier, da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) de São Paulo.
Para Ozi Cukier, os militares dão a entender que "estão com a família Kim. Por isso, não deve haver uma ruptura". Como Kim Jong-un é bastante jovem e inexperiente, seu tio, Chang Sung-Taek, poderá atuar como regente. Pouco se sabe sobre Kim Jong-un. Filho do falecido Kim com sua última esposa, a dançarina japonesa Ko, até o ano de nascimento do futuro governante norte-coreano é colocado em disputa: 8 de janeiro de 1983 ou de 1984. Estudou na Suíça e é general de quatro estrelas do Exército Popular da Coreia, que tem armas atômicas.
Chang Sung-Taek, casado com a irmã mais nova de Kim Jong-il, Kim Kyong-hui, é indicado por alguns especialistas como o governante de facto da Coreia do Norte nos últimos dois anos, após o falecido Kim ter sofrido um derrame cerebral em 2008. "É possível que Chang seja o regente", diz Ozi Cukier.
Para o professor Gilberto Rodrigues, especialista em relações internacionais na Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo, a China também terá influência crescente no governo do jovem Kim Jong-un. "A China atua como uma mediadora entre o hermético regime norte-coreano e a comunidade internacional. A China poderá se beneficiar nesta troca de comando e aumentar seu poder de barganha com o Ocidente", diz o professor.
Rodrigues acredita que o jovem Kim Jong-un buscará apoio entre os militares e a China, em um primeiro momento, para se firmar no poder. "Ele não deverá sinalizar uma possível retomada das negociações com Seul para reunificar no futuro a Coreia", disse. "A China poderá tutelar a transição do comando, de pai para filho."
Preocupações
O programa nuclear norte-coreano permanece como uma dor de cabeça para todos os vizinhos do regime de Pyongyang. A Coreia do Norte explodiu com sucesso duas bombas atômicas testes nucleares feitos em 2003 e 2009, e além disso desenvolve um ambicioso programa de mísseis balísticos. Seus mísseis de médio alcance colocam no alvo o território inteiro do Japão aliado dos Estados Unidos, onde Washington possui bases militares e milhares de soldados. Também podem atingir qualquer ponto da Coreia do Sul, igualmente aliada do governo norte-americano.
"O problema é que a Coreia do Norte, país paupérrimo, tem como vender a tecnologia nuclear que domina. Isso é preocupante", diz Rodrigues.
Até o final da década de 1980, a Coreia do Norte, país de 24 milhões de habitantes, recebia auxílio financeiro da União Soviética. Com a desintegração soviética em 1991, o dinheiro foi cortado. O país começou a se aproximar mais da China. Mas isso não evitou que um planejamento desastroso na agricultura, somado a enchentes e problemas climáticos, devastasse as lavouras e a pecuária, provocando uma fome que, entre 1995 e 1997, matou entre 900 mil e 3 milhões de pessoas, segundo estimativas de um comitê de congressistas dos Estados Unidos, que visitaram o país comunista em 1997.